Fugas - restaurantes e bares

François Simon, a foto oficial: o critico nunca mostra a cara

François Simon, a foto oficial: o critico nunca mostra a cara

O mistério do mais temido dos críticos gastronómicos franceses

Por Fortunato da Câmara

Foi preciso persistência, mas ao fim de uma troca de e-mails que durou algumas semanas o mais temido crítico gastronómico francês acedeu dar uma entrevista, a primeira à imprensa portuguesa. Na sede do diário Le Figaro, onde é grande repórter, levantou a ponta do véu sobre a sua forma de fazer apreciações a restaurantes e disse acreditar que, mais ano menos ano, a gastronomia portuguesa vai alcançar o reconhecimento que merece.
Trabalhou em diversas publicações até começar a escrever sobre restaurantes na influente revista Gault&Millau. Foi editor-chefe da emblemática Cuisine et Vins de France revista fundada em 1947 pelo gastrónomo Maurice Curnonsky e está há cerca de 25 anos no conceituado diário Le Figaro, onde é actualmente grande repórter. Aos 58 anos, tem dois filhos ainda adolescentes, fruto do seu terceiro casamento com uma japonesa. A malha apertada que filtra as suas truculentas avaliações já foi impiedosa para nomes sonantes da cozinha mundial, como Alain Ducasse, Guy Savoy ou Gordon Ramsay. Além das críticas semanais, tem um programa de televisão, um blogue e cerca de 20 livros publicados. Um percurso rico, prestigiado e polémico, trilhado sob anonimato. Nesta primeira entrevista à imprensa portuguesa, a sua voz grave de cadência quase poética falou sobre a infância e a carreira, mas também acerca da forma de fazer crítica e das cozinhas francesa, espanhola e portuguesa. Uma conversa de palavras aguçadas para chefs, críticos e rankings, com respostas directas e, quiçá, algumas idiossincrasias. Bem ao estilo de monsieur Simon.

Que diferenças encontra na gastronomia dos dias de hoje em relação à sua primeira crítica?
É muito mais leve, simples, legível e menos pretensiosa. Os tempos de cozedura dos alimentos são mais reduzidos e os sabores mais acentuados. Houve uma modificação completa na forma de trabalhar os legumes, o que me parece uma evolução muito boa.

A cozinha francesa melhorou nestes últimos 30 anos ou estagnou?
Não diria melhorar, porque acho que sempre foi boa, mas evoluiu e tornou-se bastante mais aberta. Antes era extremamente fechada e clássica. Agora está muito mais aberta. É interessante que há 50 anos era a grande gastronomia do mundo e agora há grandes cozinhas em diferentes países, seja na Coreia no Japão ou na China.

...no Peru!
Peru, Brasil, Portugal, Espanha, Suécia, Dinamarca... É uma lista interminável. Na Alemanha também há grandes restaurantes. O que significa que por todo o lado há boa cozinha. Penso que é positivo e espero que contribua para que a França descontraia e perca o complexo de ser a número um e seja acompanhada por outras cozinhas. Assim há um pouco mais de modernidade e um pouco menos de tradição, o que permite flexibilizar a paisagem gastronómica e agora haver bistrots, grandes restaurantes de cozinha clássica, moderna, de autor -como se costuma escrever -e isso é uma boa mudança.

E a popularidade recente da cozinha espanhola, é uma moda?
É uma criação jornalística, o combate entre a França e a Espanha é puramente político e tem a ver com o Iraque, por causa da posição francesa em relação aos Estados Unidos. Foi por isso que os jornalistas colocaram a cozinha espanhola contra a francesa, o que eu acho totalmente absurdo. Depois já havia chefs franceses a dizerem que a cozinha espanhola era superior à francesa, o que para mim é de um non sense absoluto. É verdade que há uma grande cozinha em Espanha, mas não é tão forte como a cozinha francesa. Eu adoro a cozinha espanhola mas não vejo qualquer rivalidade, é uma rivalidade criada pelos jornalistas.

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