Não tem a obsessão de ser coerente?
Não, nenhuma coerência. Sigo um pouco mais a lógica das coisas. É importante ser. (pausa) um pouco imprevisível e experimental.
Foi por isso que, no final de 2008, aceitou estar a cozinhar no restaurante Le Cochon à l'Oreille em Paris?
Sim. Ia haver uma semana gastronómica e perguntaram-me se eu queria ser o chef. Eu disse que sim, mas com a condição de manter o anonimato. Estive lá a fazer os jantares durante cinco noites, fiz uma entrada, um prato e uma sobremesa.
E como é que conseguiu manter o anonimato? Tinha alguém a guardar a entrada?
Estive sempre na cozinha. As pessoas não me viam. Havia uns seguranças a controlar, foi uma boa experiência mas um pouco arriscada (risos). Mas era preciso passar para o outro lado.
Foi uma atitude ousada. Houve críticas, presumo.
Normais, foram correctas (enigmático) .
Qual é o ratatouille da sua infância?
Frango assado. O frango assado que a minha mãe fazia. É uma lembrança muito presente porque era um prato simples, tinha um molho para acompanhar o frango assado, mas que era muito bom.
A minha provocação em usar o ratatouille como metáfora para saber qual era o prato que recorda mais da sua infância tem a ver com o facto de alguns jornalistas americanos o associarem à personagem de Anton Ego, o temido crítico do filme de animação Ratatouille. Concorda com esta comparação?
Não me chateia nada. Não me aborrece. Até porque inicialmente é uma personagem má, amargurada, mas no fim até demonstra que é amável. De resto, não me chateia que as pessoas pensem que eu sou um canalha, até me diverte. Mas o filme tem uma coisa curiosa porque mostra que qualquer pessoa pode cozinhar mas por outro lado nem toda a gente pode ser chef. É uma profissão dura mesmo para quem tem talento.
Ao encontro de um anónimo
Após algumas semanas a trocar e-mails, François Simon acedeu ao nosso pedido e marcou encontro no número 14 da Boulevard Haussman, a sede do Le Figaro em Paris, e só na véspera é que nos enviou um número de contacto. Pontualmente, às 14h30, à porta do jornal estava um homem de estatura baixa com um porte elegante. Vestia calças em tecido pied d'poule e sapatos de design clássico italiano. O blazer preto contrastava com a alvura da camisa de punhos, rematada por uma gravata esguia, ornamentada com um discreto alfinete. Marcámos o número de contacto e o homem de penteado criteriosamente desalinhado atendeu um telemóvel. Era François Simon. Entrámos no edifício e descemos ao piso térreo, onde se situa a cafetaria para 60 minutos de uma conversa inédita. O crítico de restaurantes mais temido e destemido de França acaba de completar 30 anos de crónicas dedicadas aos prazeres da mesa. François Simon formou-se em Direito mas acabou por seguir, nas suas palavras, "a vocação" de ser jornalista.