E a denominada cozinha molecular?
Para mim está acabada.
Não é espanhola.
Não, é a obra de um génio que é o Ferran Adriá. Um dos grandes cozinheiros deste século que deixou uma marca muito forte durante dez anos, o que é formidável.
Recentemente a gastronomia francesa foi inscrita como património imaterial.
Acho isso ridículo.
Ridículo...
É grotesco. É que em todo o mundo há património culinário. Em todos os lugares.
Cada lugar tem a sua tradição, o seu percurso.
Claro! É absurdo. Cada povo tem a sua forma de comer, com a mão, com garfo, com pauzinhos, de madeira, de metal. Todos são únicos, não sei por que é que tem de ser a França. Acho que até é bastante embaraçoso.
Acha que foi um esforço mais político para marcar.
Sim, muito político. É um passatempo de velhos universitários que não têm nada para fazer. Para mim não tem qualquer interesse. Como se fosse possível colocar a gastronomia num museu. Eu preferia que dessem mais atenção à qualidade das sanduíches nos aeroportos, nas estações de comboios. Que se trabalhe um pouco mais sobre a realidade e menos a reputação. Acho que em França se devia melhorar a comida simples. Os restaurantes turísticos são muito maus. O monte de Saint-Michel, o Procope em Paris. As grandes instituições turísticas não têm qualidade. É por aí que se deve começar, em vez de se dizer que é um património imaterial.
É uma classificação muito subjectiva.
É ridículo. (risos)
E Portugal, já visitou?
Não conheço assim muito bem. Estive lá três ou quatro vezes.
Quando é que foi a última vez?
Já foi há algum tempo. Estive no Porto. Fiz a estrada do Porto para Lisboa. Estive em Sintra.
O que é que recorda da cozinha portuguesa?
Achei que tinha personalidade mas era fácil de compreender. Era muito viva e luminosa. Lembro-me do peixe, do vinho verde. O peixe era deslumbrante. Tenho boas recordações.
Não foi ao sul?
Não. Mas tenho que voltar. Esta conversa está a dar-me vontade de voltar (risos). Neste momento em Portugal vive-se uma espécie de dilema. Por causa da popularidade da cozinha espanhola, e agora da Dinamarca, as pessoas questionam-se por que é que a gastronomia não tem mais projecção internacional. Um país com oito séculos de história, com uma cozinha tradicional forte, produtos de qualidade, muitos deles certificados como DOP e IGP, e continua desconhecido para os gastrónomos.
Isso acaba por mudar. É um pouco como os adultos. Uns têm sucesso aos 24 anos e há outros que têm de esperar até aos cinquenta ou mais. Em Portugal as coisas são boas é uma questão de esperar e a popularidade vai acabar por chegar.
Acha que é um tesouro por descobrir?
Acho que é um tesouro a descobrir, tal como é o Vietname e a Síria, que é extraordinária, apesar dos problemas que tem agora. Há países onde quase não existe tradição culinária, como a Bulgária, alguns em África. Mas hoje há mais abertura, o que significa uma oportunidade para alguns países.
Portugal está nesse patamar...
Completamente. Deve seguir a sua identidade, os produtos regionais, e as coisas vão acontecendo. É que, frequentemente, a actualidade acerca de um país é um bocado manipulada. Agora é a Dinamarca, mas provavelmente daqui a três anos pode ser Portugal. Durante dez anos só se falava de Espanha, de uma forma um pouco excessiva.
Agora fala-se na Dinamarca, também um pouco de mais. Eu fui a Copenhaga e pensava que ia encontrar uma cidade muito gastronómica, mas as pessoas não são gourmets. No entanto, há uma dezena de restaurantes muito bons. Mas são apenas dez, o que não é suficiente para fazer uma identidade gastronómica.