Não sendo propriamente já uma novidade, o efeito de renovação e abertura à modernidade na restauração tem-se alargado nos últimos tempos no nosso país. A atracção mediática pelos chefes cozinheiros, os programas televisivos e o crescimento da procura nas escolas de hotelaria por parte dos jovens aí estão para o atestar.
Descontando ao feudo algarvio, que é um caso muito específico e como que alheio à realidade nacional, esses avanços medem-se normalmente pelo reconhecimento das estrelas do famoso guia Michelin, que nos últimos anos parece ter começado a olhar com mais atenção para o panorama nacional, designadamente naquilo que se vai fazendo para além das regiões de Lisboa e do Algarve, onde tradicionalmente se têm concentrado as distinções do famoso guia da capa vermelha.
Fora destes contextos cosmopolitas há muito reconhecidos, as únicas estrelas até agora atribuídas têm contemplado apenas cozinhas associadas a hotéis com envolvências muito específicas. É o caso do restaurante Arcadas da Capela, no Hotel Quinta das Lágrimas, em Coimbra; do Il Gallo d"Oro, no Hotel Cliff Bay, no Funchal; e do Largo do Paço, na Casa da Calçada, Amarante. Mérito para os cozinheiros Albano Lourenço, Benoît Shinthon e o trio que já conviveu com a distinção na casa de Amarante (José Cordeiro, Ricardo Costa e Vítor Matos), aguardando-se agora com certa ansiedade pela apresentação do próximo guia, que terá lugar dentro de algumas semanas em Barcelona.
A ansiedade sente-se sobretudo a Norte, e muito concretamente no Porto, onde os ventos de renovação e modernização do sector se têm feito sentir com particular preponderância nos últimos anos. A visibilidade que o recente boom turístico tem dado à cidade e a notada presença de inspectores do guia Michelin durante o primeiro semestre deste ano em alguns dos mais destacados restaurantes, fizeram crescer a convicção de que o Porto estará, finalmente, no caminho das estrelas.
Neste contexto, os olhares recaem sobretudo sobre os chefs Ricardo Costa, Rui Paula e Pedro Lemos, apontados como mais sérios candidatos à ambicionada distinção. E se os dois últimos dão o nome a casas próprias (no Porto e no Douro, no caso de Rui Paula) e moldadas segundo o conceito pessoal, rapidamente tendo conquistado a aprovação da clientela, já com Ricardo Costa a situação é bem diferente.
Depois de, em 2009, ter reconquistado a estrela para o Largo do Paço, o jovem chef aceitou o desafio de liderar os fogões do ousado projecto do Hotel The Yeatman, na marginal de Gaia, cujos responsáveis nunca esconderam a ambição de reconhecimento internacional. Um ano depois da abertura e do árduo trabalho desenvolvido, Ricardo Costa diz que o restaurante tem finalmente a marca da sua equipa, assumindo o conceito que definiram: uma carta em linha com o que se faz nos melhores restaurantes do mundo, que privilegia a ligação com os vinhos portugueses.
Curiosamente, os três parecem desenvolver conceitos complementares, já que enquanto Rui Paula coloca a ênfase na criatividade com que interpreta o receituário e produtos regionais, Pedro Lemos explora o potencial e qualidade dos produtos autóctones.
Além de se apontarem mutuamente como potenciais estrelados, os três chefs coincidem também noutras apreciações: não trabalham com essa obsessão; o Porto merece a distinção do guia francês; e toda a restauração da cidade beneficiaria com ela.
The Yeatman com nova carta
Entretanto, Ricardo Costa acaba de pôr em prática a nova carta de Outono, que bem espelha a linha que pretende imprimir à cozinha do The Yeatman. Tal como acontece com os restaurantes da vanguarda naturalista, como o dinamarquês Noma ou o basco Mugaritz, há um menu Degustação de Vegetais (85 euros), que o chef faz questão de frisar não ser vegetariano. É um conceito mais ligth que o tradicional, já que os latinos não dispensam as proteínas. O cozinheiro destaca a "terrina de legumes com iogurte de citronela e pão de pistáchio", num conjunto que incluiu ainda "capuccino de alcachofras, brioche de cogumelos e azeite trufado", "arroz cremoso de abóbora e lima, tofu e portobello grelhado", "ragout de espargos, gnocchi caseiro e molho de caril", "queijo São Crato com doce de chila, pão de frutos e sorvete de vinho do Porto" e "geldo de iogurte de baunilha, beterraba e figos".
No menu Late Bottled Vintage (85 euros), Ricardo Costa chama a atenção para o "carapau em ceviche com puré de erucas, concentrado de laranja, folhas e germinados", notando-se-lhe a satisfação por poder trabalhar com um produto típico da nossa costa que raramente é utilizado na alta cozinha.
Outro exemplo é o "ovo a baixa temperatura com ragout de cogumelos, caldo de espargos e panceta confitada", produto simples mas a exigir um complexo processo de confecção que bem pode ser o exemplo para o nível de sofisticação e exigência a que se coloca a cozinha do The Yeatman.
Vidago Palace em busca da excelência
O caminho de modernidade e sofisticação é também a opção assumida pelo Vidago Palace Hotel, cuja sala de restaurante é um monumento à beleza, elegância e glamour. Depois de uma abertura discreta, a aposta orienta-se agora também para a sofisticação gastronómica, contando com a colaboração de Rui Paula como consultor convidado. O caminho está ainda em fase de arranque, mas a escolha do chef do DOP parece indiciar uma ligação mais forte ao paladares e produtos da região, aliada à dinâmica e criatividade do cozinheiro.
Como empreendimento emblemático da região transmontana, o Palace assume também a ambição de valorizar o património gastronómico, elevando-o aos patamares de modernidade e sofisticação como só um estabelecimento deste tipo pode alcançar.
O projecto passa também pela realização de eventos com chefs convidados, tal como aconteceu já com Lubomir Stanisic, do restaurante lisboeta 100 Maneiras. Novos encontros estão já agendados com a participação dos chefs Diogo Noronha e Nuno Bergonse, do Pedro e o Lobo, a 4 de Novembro, e com o estrelado Vicent Farges, da Fortaleza do Guincho, a 9 de Dezembro.
O caminho é longo e ainda vai no seu início, mas conjugando as características do hotel, o seu envolvimento e localização e os objectivos apontados, não é difícil vaticinar que a a ambição inclua também, a prazo, a estela do guia Michelin.