Conversamos no final de um almoço de apresentação da nova carta do Midori, no qual foi servido um prato que usava um dashi de cogumelos cuja base era feita da forma tradicional, sobre arroz cozido — ou seja, um ochazuke de cogumelos com alga nori cortada como caldo verde e ovo a baixa temperatura. “Dashi é uma palavra japonesa que significa caldo”, diz o chef. “Normalmente, o dashi é feito com katsuobushi e a alga kombu. Mas como em qualquer cozinha do mundo eles têm vários tipos de caldo dependendo do que querem fazer. Nós no Midori temos, por exemplo, o que provaram, com cogumelos shitake desidratados, mas também temos um com cabeças de lavagante, outro de camarão, entre vários.”
No Japão, explica, há uma variedade enorme de tipos de katsuobushi. “Ir a uma loja especializada é uma experiência porque eles têm katsuobushi de todos os sítios do Japão, feitos com leveduras diferentes, processos de cura diferentes, fumados com madeiras diferentes. Há os que têm sangacho, que é a parte encarnada escura ao pé da espinha, e os que não têm. E depois cada restaurante tem a sua receita de caldo dashi que é a alma de tudo o que é cozinha quente japonesa.”
Bebinca, o doce das sete camadas
Não há maneira de fazer uma boa bebinca a correr. Quando era pequeno, em Goa, José de Paula Rodrigues, proprietário do restaurante Delícias de Goa, em Lisboa, via os mais crescidos “umas 18 ou 20 horas” à volta desta sobremesa indo-portuguesa antes de ela ficar pronta. São, tradicionalmente, sete camadas, e cada uma tem que cozer isoladamente, antes de a camada seguinte ser colocada — daí os riscos que se vêem em cada fatia de bebinca, separando as várias camadas.
José de Paula, que continua a fazer bebinca no seu restaurante, recorda bem esses tempos, necessariamente mais lentos, dos seus avós: “Primeiro partiam os cocos para extrair o leite, depois faziam a massa juntando os ovos, a manteiga, a farinha, o açúcar e a noz moscada, e coziam-na numa espécie de forno de barro, inicialmente com o fogo por baixo, e depois passando o borralho para cima da tampa”, recorda. Ainda hoje é assim que se faz. Mesmo num fogão normal para os nossos dias, a primeira camada leva o fogo por baixo e as seguintes apanham o calor por cima.
Estamos sentados a uma das mesas do Delícias de Goa, rodeados por pinturas nas paredes evocando o antigo território português na Índia, e ouvindo as muitas histórias que José de Paula — que foi ordenança do último governador do território, o general Vassalo e Silva, e esteve preso depois da invasão indiana, em 1961, tendo depois sido repatriado com a família para Lisboa — tem para contar.
O que aqui nos trouxe foi a bebinca e essa arte de respeitar os tempos da comida, mas o nosso anfitrião não quis deixar passar a oportunidade de nos mostrar outros pratos que também precisam do seu tempo para apurarem sabores: primeiro umas chamuças, depois um caril de camarão, a seguir um chacuti de vitela e por fim um sarapatel goês. Pretexto para falarmos da forma como, por influência portuguesa, o porco se tornou tão importante na gastronomia de Goa e de como ganhou outras características do outro lado do mundo, no Brasil.