E a reacção das pessoas foi…
… díspar. O que as pessoas querem é que aconteçam coisas, o que quer que seja, um prato surpreendente, que se apague a luz, que caia um empregado, algo, mas que aconteça. É como uma final do campeonato, se vamos todos a Paris ou a Londres ver o jogo esperamos que aconteçam coisas, se o jogo acaba 0-0… que aborrecido.
Classifica esta sua nova fase como mais introspectiva. Porquê?
Porque procuro a inspiração dentro de mim. Procuro a mensagem na minha paisagem mais interior. A maneira de o contar, a linguagem, é muito mais a soma do que sou. É o mais difícil, procurar nos teus estados de ânimo, na tua forma de entender a cozinha, sendo prisioneiro de ti mesmo e mais livre do exterior.
E vem desta ideia de que as pessoas procuram-te a ti, com as tuas singularidades, para além do teu território ou outra coisa, procuram a tua história, a tua mensagem, a tua maneira de fazer cozinha. Eu acredito que o cliente vem a Dénia procurando autenticidade, e essa autenticidade está dentro de mim.
Procuram mais uma personalidade do que um território do qual nasce uma cozinha?
Sim. Porque se em frente ao meu restaurante abrem outro restaurante criativo, compram a tecnologia, o produto, têm o território, e o meu chefe de criatividade vai trabalhar para lá, se o território é o mesmo, a tecnologia compram-na, a técnica aprende-se, qual é a diferença?
Os menus com muitos pratos pequenos são muitas vezes criticados por terem um excesso de informação.
Isso depende das pessoas. Há as que vêm, comem e tudo lhes parece pouco, e outras para os quais tudo lhes parece muito. Mas é um pouco como eu dizer ‘Olhe, Scorsese [o realizador de cinema Martin Scorsese], o seu filme dura duas horas, não me apetece ver tudo, mostre-me só o trailer, o filme tem demasiada informação, muitas imagens.’
José Avillez, disse que considera Quique Dacosta “genial”. Porquê?
É a palavra certa para descrever alguém que está bastante acima da média, que faz algo que nós admiramos e que de alguma maneira eu, no meu papel, almejo fazer. Apesar de termos passados, presentes e, com certeza, futuros diferentes, estamos agora a cruzar essas vivências, e de alguma maneira isto vai marcar a vida dele e a minha.
E como é que o discurso de Quique Dacosta sobre a necessidade que sentiu de mudar é visto por si, como chef?
Estava a pensar que o que vivo hoje em Portugal é um pouco, se calhar, o que o Quique viveu em Espanha mas há 15 anos. O Quique hoje pega no mundo para criar. Eu tento, nesta fase pelo menos, limitar-me ao meu universo local porque acho que isso ainda está por fazer em Portugal — e em Espanha provavelmente já não está.
Ele pode olhar para o mundo inteiro, para as viagens que faz, as influências que tem e criar com base numa paleta de sabores gigantesca, da China ao Japão, à Tailândia, ao México, ao Peru. Não é que eu não use essas influências mas um menu do Belcanto actualmente tem 80, 85% de influências locais, o que por um lado facilita, porque são sabores que conhecemos, mas por outro dificulta porque nos dá menos armas, uma paleta mais reduzida.
Esta diferença tem muito a ver com o que o Quique viveu há 15, 20 anos em Espanha, em que fase é que o país estava e ele estava, e em que fase é que eu estou agora. Tal como ele fala do momento em que surgiu a nova cozinha valenciana, nós começamos agora a falar da nova cozinha portuguesa, nem chegámos à nova cozinha de Lisboa. Há esse trabalho todo de base que de alguma maneira eu me sinto também responsável por fazer.
Estamos ambos em 2015, mas o 2015 da cozinha contemporânea em Espanha é muito diferente do 2015 da cozinha contemporânea em Portugal. A nova cozinha portuguesa tem uma base de inspiração muito espanhola, apesar de haver em técnicas clássicas francesas. Dantes criava-se uma receita, depois começamos a pensar numa paisagem para fazer um prato — uma coisa que eu fiz também muito influenciado até pelo trabalho do Quique, mas usando as minhas próprias paisagens.