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  • Anabela Rosas Trindade
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Rota das Estrelas no Yeatman: Chefs que encurtam distâncias

Por José Augusto Moreira

Cozinha com sabor, apego à tradição e capaz de levar à emoção. A proximidade é um valor gastronómico e os cozinheiros do Porto mostram que memória e identidade também entram no menu.

Provavelmente a Ricardo Costa nunca lhe ocorreu, mas o que aconteceu no passado fim-de-semana, com mais uma edição da Rota das Estrelas na sua cozinha do The Yeatman, foi uma das mais poderosas, conseguidas e convincentes manifestações daquilo a que no mundo da gastronomia é conhecido como a tendência Quilómetro Zero. 

Dinamizada pelo movimento Slow Food, defende uma cozinha de proximidade aos produtos e sabores locais, que encurte distâncias entre produtores e fogões. Surgiu no início desta década e pugna pela valorização dos produtos, receitas e tradições gastronómicas, como contraponto da tendência globalizante, tecnológica e unificadora da cozinha internacional. Em vez de espumas, fumos, efeitos e esferificações, puro produto! De preferência amanhado a curta distância de forma natural e cozinhado segundo a história e os usos locais. 

Pergunta-se, então, se todo este apego às raízes, natureza e proximidade de sabores é compatível com a alta cozinha e as exigências das estrelas Michelin. A resposta, cristalina como mais pura água, deram-na os cinco chefs que estiveram no Yeatman: claro que sim! 

A ousadia, se assim se pode falar, partiu do anfitrião Ricardo Costa, que desta vez decidiu recorrer aos valores locais. Todos instalados no Porto, todos com uma cozinha fortemente ancorada na valorização dos produtos e nos sabores tradicionais. Legumes de Amarante, pescada da Póvoa de Varzim, chocos, leitão ou vitela maronesa foram alguns dos produtos que permitiram a Pedro Lemos, Rui Paula, Vitor Matos e Ricardo Costa ilustrar as suas cozinhas de sabores. 

Até o criativo Francisco Gomes usou amêndoas, morangos e aromas de eucalipto para surpreender com a sobremesa e, por último, mas longe de ser o último, o pormenor delicioso de todos os vinhos servidos serem produzidos a norte do Mondego. Responsabilidade, obviamente, de Beatriz Machado, a directora de vinhos do Yeatman cujo desempenho tem sido de uma inestimável valia para o reconhecimento dos vinhos portugueses.

E se não foi por adesão ao Quilómetro Zero, muito menos terá sido qualquer intuito ou propósito bairrista a motivar o estrelado chef do Yeatman. A sua escolha acaba por reflectir a mais pura e natural evidência do salto qualitativo que o Porto e a região têm testemunhado nos últimos anos em termos de restauração. A par de Yeatman e Pedro Lemos, ambos com estrela Michelin, também Boa Nova (Rui Paula) e Antiqvum (Vítor Matos) são naturalmente credores do reconhecimento da elite gastronómica. Também o irrequieto, arrojado e inovador Francisco Gomes (A Colonial) há muito que conquistou um estatuto à parte na pastelaria nacional. 

Passemos, então, à mesa para comprovar como os chefs praticam essa cozinha de tradição e proximidade. Uma tradição de sabores e conceitos, que é agora servida de forma elegante e sofistica. Em muito casos, mesmo surpreendente e emocionante, como logrou Ricardo Costa com o “caneloni de choco e ovas de choco frito”. Um elegante jogo de texturas e sabores em elaborada construção e apresentação que incluía as típicas sensações do choco assado no carvão, um delicadíssimo caneloni com as carnes do molusco e um saboroso crocante negro com a sua tinta. Delicioso e emocionante. De mestre! 

Com Rui Paula, os comensais foram simbolicamente atirados para o mar e os sabores frescos e naturais que sempre o caracterizaram. “Pescada de anzol, plâncton e percebes”, com sabor e perfume a mar, com grande precisão e texturas imaculadas. O cozinheiro autêntico, perspicaz e conhecedor, que é a imagem de marca do comandante do restaurante Boa Nova. 

Alguém comentou que foi uma autêntica “bofetada de tradição” o que Vítor Matos conseguiu colocar no prato, e melhor imagem era impossível. “Bacalhau e mãozinhas de vitela maronesa com grão-de-bico” é não só um prato que remete para a mais profunda memória culinária como uma avassaladora sinfonia de sabores. 

Remete para as lareiras de aldeia, as comidas no pote, só que com uma elegância, equilíbrio e definição de sabores que nem mesmo os mais precavidos deixarão de ser surpreendidos. Os conceptualistas não deixarão de apontar algum excesso de substância, mas essa é exactamente a vantagem para os que criticam a “leveza gourmet”. Há sabor, consistência, mas também sofisticação, harmonia e elegância. Um prato de catálogo!

De compêndio igualmente a “barriga de leitão crocante com cenouras em diferentes texturas” com que Ricardo Costa revisita a Bairrada, bem como a “vaca jardineira” de Pedro Lemos. E se a definição de sabores e texturas é marca distintiva do leitão, junte-se-lhe a complexidade e envolvência e profundidade com que Lemos consegue impregnar a sua jardineira. Autêntico hino de sabores que facilmente se pode imaginar juntando a vitela maturada, a língua estufada e ervilhas do campo. Tudo natural, tudo sofisticado.

À saborosa frescura refrescante da “sopa de eucalipto”, com amêndoa, morangos, cenoura e maracujá, Francisco Gomes juntou “Nyangbo / Caraïbe / Guanaja”, em trilogia chocolateira demonstrativa da sua técnica e modernidade. Para os vinhos de Beatriz Machado, um capítulo à parte. Não só pelos casamentos mas também pela ousadia e rigor conceptual. A lista: Espumante Bruto Alvarinho 2014 e Quinta do Ameal Escolha Branco 2014 (Minho); Morgadio da Calçada Reserva 2011 e Quinta do Vallado Reserva Field Blend 2007 (Douro); Casa de Cello, Quinta da Vegia Superior 2007 (Dão). 

Porto Vintage Fonseca Guimaraens 1998 e um raro Moscatel de Favaios 1980 para o fecho em beleza, a deixar claro que a proximidade acrescenta valor na gastronomia , assim haja cozinheiros com arte e saber para encurtar as distâncias.

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