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O que faremos com sangue, sal, pão e fritos?

Por Alexandra Prado Coelho

Apesar do título, este não é um texto sobre questões de saúde e nutrição. O festival Sangue na Guelra desafiou um grupo de chefs portugueses a pensar sobre estes três ingredientes e uma técnica e, entre outras coisas, isso resultou num Tulicreme feito de sangue.

O que fazem os cozinheiros quando lhes propõem regressar ao básico? O desafio lançado a um grupo de chefs pelo festival Sangue na Guelra — cujos resultados foram apresentados no dia 6 num simpósio nu Hub Criativo do Beato, em Lisboa — foi o de mergulharem no mais simples: o pão, o sal, o sangue, a fritura.

Três ingredientes, uma técnica, o que fazer? Divididos em quatro grupos, cada um ocupou-se de um destes temas. E quando se tem pouco, vai-se mais longe e mais fundo. Qual o papel do sangue na cozinha portuguesa? De que formas é utilizado? Porque é que tanto é desperdiçado? Até que ponto continua a haver um tabu em relação a ele?

O desafio deu-lhes a oportunidade de estudarem cada um destes assuntos. O pão, por exemplo, é o alimento mais básico. E o sal, sem o qual todos os sabores seriam diferentes? Os chefs andavam a precisar de um momento assim, que lhes permitisse pensar em conjunto, conhecerem-se melhor, trocar ideias, aprender uns com os outros. E, afinal, o que saiu daqui?

O sangue

Quando soube que tinha ficado com o grupo do sangue, Henrique Sá Pessoa teve algumas dúvidas. “Sou um rapaz da cidade, ou como se costuma dizer um ‘menino da Linha’, não tenho ligação ao campo, às matanças.” A primeira coisa que ocorreu a todos — além de Sá Pessoa (Alma), Milton Anes (Lab by Sergi Arola), Pedro Pena Bastos (Esporão) e Tiago Bonito (Casa da Calçada) — foram os enchidos de sangue e as cabidelas.

Havia no grupo — que subiu ao palco com as jalecas manchadas de sangue — pelo menos um membro, Tiago Bonito, que tinha a experiência oposta da de Sá Pessoa. “Já matei porcos, patos, frangos. Matamos sempre leitão em casa”, contou, recordando as tradições da matança e o aproveitamento do sangue, logo misturado com vinho para não coalhar.

Mas precisavam de uma ideia diferente. Foi então que Sá Pessoa se lembrou do Tulicreme. A pasta de barrar, lançada pela primeira vez em Portugal em 1964, não era exactamente famosa entre os cozinheiros mais novos, mais familiarizados com a Nutella, mas a ideia agradou. Pedro Pena Bastos explica que o assunto o interessou sobretudo pelo lado de aproveitamento de todos os produtos animais, dado que o sangue é em grande parte desperdiçado e não muito fácil de obter nos talhos.

Tiveram, então, que perceber como trabalhar o sangue para conseguir a consistência, textura e sabor certos. O resultado, que deram a provar aos participantes no simpósio do Sangue na Guelra, foram dois produtos: aquele a que chamaram Tulisangue, em que o sabor do cacau e das avelãs dominava o do sangue, o que o tornava potencialmente fácil de dar a crianças; e outro com queijo, que foi considerado demasiado salgado.

“Não é fácil arranjar sangue”, explicou Sá Pessoa. “E o que conseguimos tinha uma quantidade de sal exagerada.” Outro problema é que é preciso evitar que coagule rapidamente. Mas, no final, e depois de outras experiências como uma versão tipo manteiga de amendoim, chegaram à fórmula que lhes permitiu apresentar, com orgulho, um verdadeiro Tulisangue.

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