Fugas - restaurantes e bares

  • Chef José Avillez
    Chef José Avillez Gonçalo Villaverde
  • Gonçalo Villaverde
  • Margarida Basto

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O que faremos com sangue, sal, pão e fritos?

Fritura

“Queríamos fazer um óleo pensado por cozinheiros”, explicou Alexandre Silva (Loco), que liderou o grupo dedicado aos fritos. Há uma ligação importante entre a cozinha portuguesa e a fritura (basta pensarmos nos célebres peixinhos da horta que, segundo se diz, inspiraram os japoneses a criar a tempura). E foi isso que quiseram explorar Alexandre, Hugo Brito (Boi Cavalo), Tiago Feio (Leopold) e Rodrigo Castelo (Taberna Ó Balcão).

Ao contrário do que aconteceu com os outros grupos, que tinham que trabalhar um produto, aqui partia-se de uma técnica. Havia várias formas de pegar no tema. E eles avançaram por esses diferentes caminhos. Um deles foi o óleo. “Antigamente os óleos não tinham sabor”, disse Alexandre. Na experiência que fizeram, inocularam cereais com miolo de noz e sementes de girassol fermentados e fizeram uma extracção a frio. O resultado foi um óleo “muito mais complexo, com um aroma muito mais profundo”.

Outro caminho que seguiram foi o do design, neste caso partindo de uma peça de metal com motivos florais que, mergulhada num polme, serve para fazer filhoses doces — as filhós de flor. Em colaboração com o designer Manuel Neto, criaram uma peça semelhante mas estilizada. “Queríamos uma simplificação de formas”, explicou Hugo, “mas com a máxima exposição de superfície para maior crocância.”

Foram precisas várias tentativas para conseguir o que pretendiam, mas no Sangue na Guelra serviram os fritos daí resultantes, recheados com peixe frito (no óleo por eles criado) sobre um puré de escabeche, no qual o óleo serviu também para a preservação do peixe.

Pão

Do grupo do pão, a imagem mais marcante foi talvez a de José Avillez a cortar um pão que encostou ao peito, a faca a avançar a caminho do coração — uma forma que algumas pessoas têm de cortar o pão que surgiu aqui como um símbolo da ligação directa entre este alimento e a vida.

Foi à volta do grande simbolismo do pão que andaram Avillez, David Jesus (Belcanto) e o pasteleiro Carlos Fernandes (Loco), depois de Kiko Martins (O Talho, A Cevicheria, O Asiático), que tinha feito parte do grupo inicialmente, ter partido para filmagens de um programa televisivo.

“Tal como o sal, o pão está todos os dias connosco, o que torna mais difícil pensá-lo”, disse Avillez. Contou como o avô o usava como talher, para ajudar a fazer chegar a comida ao garfo. E, claro, pensaram em todas as utilizações que tem como ingrediente na gastronomia portuguesa, das açordas às migas, dos ensopados às sopas secas.

Foram, aliás, as sopas secas de Penafiel que inspiraram Carlos Fernandes, que as trouxe ao Sangue na Guelra mudando-lhes apenas a apresentação, mas mantendo a ideia base: pão embebido em caldo de carnes gordas, com açúcar, canela e hortelã, um desses pratos que cruzam o doce com o salgado e que se encontram também, por exemplo, no Norte de África.

Em Portugal, como em todo o mundo, o pão está muito ligado à ideia de partilha. Aqui, a partilha com o público do festival não aconteceu com estas sopas mas sim, no final da apresentação, com outro produto, se possível ainda mais básico do que o pão: a massa mãe nele usada.

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