Fugas - restaurantes e bares

  • Bruno Calado
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Há um novo vizinho no bairro. E veio do Peru

Traz para Portugal um “respeito pelas origens, sem mudar muito, mas aperfeiçoando a técnica com um grande produto português, que é um luxo ter à mão”. “O José abriu as portas da sua casa e também de Lisboa, entregou-nos as chaves da cidade, e partilhou isso: o grande produto português.” Facilita estar num Bairro onde a máquina está montada. “É um luxo porque nos cruzamos com muitas operações de êxito aqui. Permite-nos ver como manipulam os produtos portugueses, e aprender a expressar a gastronomia peruana dentro deste mundo gastronómico português, do José... O mar português é muito bom.  Mas  também teremos o porco ibérico, os vegetais, as frutas.”

Algumas coisas virão mesmo do Peru. “Criámos uma logística para conseguirmos trazer produtos peruanos frescos. O mais importante são os ajís [pimentos picantes], que é o mais sensível. Encontrámos vários distribuidores na Europa e temos a sorte de ter ajís frescos.” Alguns são mais fáceis de transportar porque são secos ao sol, como o ají panca (encarnado) e o mirasol (amarelo), que “é a coluna vertebral da gastronomia peruana”.

Não basta trazer ajís

Nos últimos anos têm-se multiplicado os restaurantes de comida peruana em todo o mundo — em parte porque a estratégia do Peru de “vender” a sua gastronomia passa por apoiar os seus “embaixadores”, neste caso, os chefs. “A gastronomia peruana é fácil de entender, é muito saborosa”, explica Muñoz.
Mas não basta trazer os ajís e a quinoa. “É preciso uma adaptação. Desde o sal! Em todos os países o sal é diferente. Vocês usam o sal marinho, nós o sal de mina ou sal-gema. Temos uma salina muito famosa em Cuzco, um lugar sagrado dos incas, onde há oito mil anos já o colhiam. Vem do fundo da montanha e é seco em talhos ao sol na época seca. Eu corro por esse sal! É bastante sulfúrico, não tem tanto iodo, como o de mar. Muito pouca gente presta atenção ao sal, mas é muito importante.” Conta um episódio passado em 2016 em Zuhai (território chinês que faz fronteira com Macau). “Incluí o sal na minha lista de pedidos. Demoraram três dias a perceber o que eu queria e a conseguir trazer. Ali ninguém cozinha com sal, usam soja fermentada, ou glutamato... Mas lá conseguiram. Só que quando não se está habituado, a sensação é muito intensa!”

Sal, acidez e picante é uma trilogia quase sagrada na gastronomia peruana, embora coexista “de forma  muito equilibrada”. Mas, ainda assim, terá de sofrer reajustes quando se pisa outro chão. “Fui com o José Avillez a um monte de restaurantes em Lima e ele dizia-me: ‘Este ceviche é demasiado ácido para o público português’, ou ‘Este é muito picante’. Fizemos muitas provas nos últimos dois meses para encontrar o equilíbrio certo. A gastronomia tem que conversar com o público. Um cozinheiro não pode chegar e dizer: ‘Vou cozinhar como eu acho que as coisas são e as pessoas têm que me entender’. É ao contrário. Temos que compreender o público e levá-lo para o nosso território.”

A fusão — mais ou menos acentuada — faz parte do ADN de muitas gastronomias. Mas no caso peruano é mesmo uma das suas principais características. “Há uma cultura de muitos anos do Peru antigo, que dominava sobretudo as montanhas, até chegarem os espanhóis com a sua influência árabe, que se infiltraram, e houve um encontro cultural que revolucionou a gastronomia”, conta Muñoz. “A seguir chegaram os africanos, que também deram o seu contributo, os japoneses, os chineses, os italianos. A gastronomia latino-americana é muito original, milenar, mas com muitas referências de outros locais, que não se separaram nem sectorizaram, mas antes se misturaram.”

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