Esta rota é muito plural: tem a mais antiga sinagoga do país, um bairro crescido à sombra de uma fonte, uma comunidade viva que resistiu à perseguição e à clandestinidade, um jogo de quebra-cabeças em dezenas de portas, uma casa da memória que já se adivinha, um museu onde nomes e objectos contam uma história de luta e sobrevivência.
A Rede de Judiarias Portuguesas Rotas Sefarad, já constituída formalmente e cujos órgãos sociais foram eleitos a 5 de Abril, incluirá ainda centros de interpretação de cultura judaica, a edição de obras de pessoas que foram perseguidas, centros históricos recuperados. Faltam ainda restaurantes e hotéis com comida casher para aproveitar o que já se produz em Portugal segundo as regras religiosas do judaísmo (ver texto nas páginas seguintes), mas também há vários projectos a caminho.
Para já, integram a rede os municípios de Belmonte (onde ficará a sede), Castelo de Vide, Freixo de Espada à Cinta, Guarda, Lamego, Penamacor, Tomar, Torres Vedras e Trancoso, além das entidades regionais de turismo da serra da Estrela, Douro, Oeste, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, e ainda a Comunidade Judaica de Belmonte. A Fugas foi à procura de alguns dos vestígios da presença judaica em Portugal.
Belmonte: Uma comunidade de sobreviventes
À ré Brites Rodrigues, natural da Covilhã e residente no Fundão, foi levantado o cárcere e tirado o hábito penitencial em 12 de Dezembro de 1567. O auto-de-fé tinha sido dois meses antes, a 5 de Outubro, com a ré sentenciada em abjuração em forma e cárcere em hábito penitencial a arbítrio. Com 30 anos, Brites foi presa em 15 de Junho de 1567 acusada de judaísmo, heresia e apostasia. Casada com o mercador António Dinis, Brites e a sua história judicial constam do processo 1280 da inquisição de Lisboa.
O resumo do caso de Brites Rodrigues é um dos que constam do Museu Judaico de Belmonte, que completou seis anos no passado domingo e foi visitado por mais de 20 mil pessoas em 2010. A estrutura merece, pela qualidade visual, arquitectónica e artística das peças ali guardadas.
No Memorial das Vítimas da Inquisição, registam-se 210 nomes da Beira Interior (45 dos quais de Belmonte) que foram condenados por aquele tribunal. Mas o museu inclui ainda esculturas, objectos do quotidiano ou peças ligadas ao culto religioso.
A importância do nome e da memória no judaísmo adquire em Belmonte ainda mais significado: aqui, uma comunidade de judeus sobreviveu durante séculos, escondida de tudo e de todos. Vivendo aparentemente conformes ao catolicismo dominante - e ao qual tinham sido forçados a converter-se -, os judeus de Belmonte continuavam, secretamente, a judaizar. Com a abolição da Inquisição, em 1821, os judeus continuaram a viver sob uma monarquia liberal mas oficialmente católica.
Foram redescobertos já em pleno século XX pelo engenheiro de minas polaco, Samuel Schwarz, que veio trabalhar para a região. Mesmo assim, permaneceram receosos, facto agravado pelo Estado Novo, que não olhava com bons olhos as minorias religiosas em Portugal.