Fugas - Viagens

Manuel Roberto

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Macau - A corrida mais louca do mundo ainda vai a meio

"Please". Basta isto. Isto e um sorriso de orelha a orelha, daqueles que servem de tradução automática para as palavras humildade e simplicidade sem precisarmos de dicionário. Paramos e deixamos o termómetro branco e longilíneo aproximar-se da testa. Beep! O funcionário do lobby do museu-e-nome-infindável agradece com um subtil aceno de cabeça e dá-nos via verde para seguirmos viagem. É assim que se retém a gripe A nas portagens por estas bandas.

Estamos com pressa e os 10 anos de migração do poder são revistos em pouco mais de 10 minutos. Da filigrana em ouro e prata com 1,5m de altura oferecida pelo Governo Provincial de Hebei à tapeçaria tibetana com 2,58m de comprimento, da escultura em jade cristal produzida em Qinghai ao manifesto-da-arte-em-madeira que é a Torre de Cegonha de 3m manufacturada em Shanxi, este mapa do tesouro é um X em si mesmo.

Arrepio. Arrepio talvez não seja a palavra certa, mas é a primeira que nos vem à cabeça.

Grande vício, pequenos crimes

O elevador do hotel dá sinal de paragem no piso 2. Os sulcos debaixo dos nossos olhos marcam 6h30, os dos três homens à nossa frente denunciam uma noite inteira de adrenalina. Queremos chegar rapidamente à mesa do pequeno-almoço, mas há quem tenha mais pressa em chegar a uma das dezenas de mesas de jogo que ocupam o primeiro e o segundo andares. Demasiado cedo para apostar? Não, demasiado cedo para desistir.

Aqui, o ritmo é este. Alucinante, imparável. É como se tivéssemos uma ficha vitalícia na mão e uma slot machine à espreita em cada esquina. É como se tivéssemos um cheque em branco no bolso e a única preocupação de saber a quem o endossar. É como se tivéssemos um bilhete premiado e faltasse descobrir onde o descontar. Façam as vossas apostas, senhores. O jogo já começou (nunca parou, se quisermos ser mais rigorosos) e não há como fugir dele.

"Cada vez que virem lojas de penhores relativamente próximas é sinal de que haverá um casino por perto", avisa Assunta, uma daquelas guias turísticas à moda antiga, incapaz de deixar os clientes sem porto de abrigo mesmo quando o sol está para durar. Tem razão. Quando se trata de jogar em Macau como no resto do Mundo -, o limite é o do peso do relógio, do brilho dos anéis, da roupa que se traz no corpo.

(Abrimos parêntesis apenas para uma curiosidade que vem a propósito. A penhora, praticamente uma instituição com mais de 1500 anos de vida na China, chegou a dividir-se em três. As lojas Tong, que permitiam o resgate dos objectos por um prazo até três anos, as lojas On, com um prazo de um ou dois anos e um juro ligeiramente mais elevado, e as Ngat, mais vocacionadas para operações urgentes de baixo valor e com uma baliza temporal de quatro meses a um ano).

É aqui, neste meridiano, que o crime e o jogo se tocam. Se pusermos de lado os "negócios" das tríades, sobra-nos a pequena criminalidade em Macau, aquela que é alimentada pela febre das apostas. Explicação adicional: "A maior parte dos assaltos a residências é motivada pelo vício. Os intrusos procuram normalmente pequenos objectos, pequenos electrodomésticos, que possam depois vender numa casa de penhores". Esqueçam a ocasião. Em Macau é o jogo que faz o ladrão. Perplexidade. Perplexidade talvez não seja a palavra certa, mas é a primeira que nos vem à cabeça.

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