Fugas - Viagens

Manuel Roberto

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Macau - A corrida mais louca do mundo ainda vai a meio

É tempo de ligar os motores

Há um cheiro a carne adocicada nas ruas e uma brisa agreste junto à baía da Praia Grande - e já alguns quilómetros nas pernas. Há uma mini-concentração de graffiters nas costas do Casino de Lisboa - e um sol a correr as cortinas. Há filas intermináveis à porta dos hotéis-que-são-sobretudo-salas-de-jogo-com-alojamento-acoplado que em breve vão transformar-se em filas intermináveis junto aos cais de embarque. Os fins de tarde são assim. Muitas vezes as manhãs também.

Por hoje - e este hoje é simultaneamente um ontem afastado e um amanhã a caminho - o vento também distribui gasolina pelas esquinas e decibéis suficientes para elevar os tampões para os ouvidos à categoria de bem de primeira necessidade. Seguimos-lhe o rasto, ou não tivéssemos um livre-trânsito ao peito com a inscrição Windsor Arch 56.º Grande Prémio de Macau.

Não há como falhar. Os tapumes, a torre de controlo, a azáfama no exterior, as bancas de merchandising, o vaivém de autocarros, está tudo aqui. É a next big thing por que a região suspira de Novembro a Novembro. Entramos pela porta dos fundos, que é como quem diz entramos por onde verdadeiramente interessa.

Mesmo sabendo que um paddock é um paddock, nunca se está verdadeiramente preparado para isto. A passerelle está estendida e não há frio ou ameaça de chuva que atrase o desfile: o cabedal preto da Salon, o xadrez colado ao corpo da Resurs, as perucas multicor da Oceanus, o vermelho sangue da Yokohama. São elas, as modelos de olhos e roupa rasgada, que ditam as leis. Enquanto estiverem em pista, os carros e os pilotos serão sempre os adereços.

Este é o circuito visto do avesso - com as trocas de pneus, os coletes reflectores, as últimas afinações. Com 259 pilotos de 37 países. Do outro lado, o ambiente é outro. Pelas bancadas passarão mais de 58 mil espectadores durante os três dias de prova, com apitos a rodos (se se festejasse o São João em Macau, o Grande Prémio seria uma boa sessão de treinos), gritos de espanto e particular atracção pelos acidentes. Para quem tivesse dúvidas acerca da herança portuguesa...

Sintonia. Sintonia talvez não seja a palavra certa, mas é a primeira que nos vem à cabeça.

A reboque de um trio de luxo

De dia, crepitam os motores. À noite, a corrida continua, mas noutro palco, bem mais ao gosto dos macaenses. São 19h30 e o canídromo abre as portas para o primeiro tiro de partida. Um, dois, três, quatro, cinco, seis galgos, lado a lado. O blazer bordeaux do juiz chama a atenção, mas não tanto como o isco translúcido que atrai os velocistas. Abrem-se as cancelas e a caça ao prémio. Louvores para a pista 2.

Enquanto a segunda leva de "atletas" é inspeccionada para o segundo round, nos bastidores os clientes regulares vão-se revezando como numa estafeta 4x400m. Das 42 cabines de apostas, apenas 15 estão abertas. Por hoje, é suficiente. Olhos colados no ecrã (mesmo que a prova, ao vivo, esteja a 50 metros de distância), olhos colados no bilhete, olhos colados no portão de saída.

Bem vistas as coisas, há qualquer coisa de Wacky Races no ambiente que se vive em Macau. Lembram-se de Dick Dastardly e do seu Double Zero? Não? E de Mutley, o cão de riso contagiante mais mordaz da história das séries de animação? Pois bem, é como se a região tivesse alinhado os carros que disputam "A Corrida mais louca do Mundo" e o semáforo verde.

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