Os Marafados do TT Algarve são um clube sem fins lucrativos que organiza saídas de todo-o-terreno. Não é fácil explicar o que significa marafado para os algarvios. Basicamente, é uma pessoa com quem é preciso ter algum cuidado: não se meta com ele, porque ele é marafado, um pouco zangão, com sangue na guelra. Enfim, alguém que facilmente perde as estribeiras. Levado da breca, que prefere sempre o mais difícil, o mais arriscado.
Confirmamos pelo menos que os Marafados têm uma saudável dose de loucura aventureira, essencial numa expedição destas. Mas pode meter-se com eles à vontade: ao longo da viagem, a camaradagem é uma constante e, depois de tantas horas juntos nos jipes, os viajantes - mesmo os que não fazem parte dos Marafados - têm a sensação de que se conhecem há anos.
Para fazer esta expedição não basta, porém, ter um jipe. É preciso ter gosto por ir, porque ela é também "gastronomia, cultura, paisagens e evasão", frisa António Vilela, que nasceu em Luanda e gostava um dia de ir viver para Marrocos. "É África", diz, acrescentando que já fez outras expedições neste continente. É dentista e só por gosto se mete nestas andanças: dois a três meses antes das expedições, faz o reconhecimento do terreno, pega em mapas, livros e cartografia da zona, explora, faz amizade com os locais. Já se perdeu. Sim, no deserto. "Acontece por vezes em pistas que estão marcadas e já não existem. Mas, se tivermos meios de navegação, mapas, cartas, acabamos por encontrar o destino", garante. Admitimos que o medo nos assaltou. E se o GPS avaria? E se há um problema mecânico? Mas todos os receios se revelaram infundados. Vão mecânicos, tivemos guias locais, e António Vilela vai num jipe apetrechado com uma emissora através da qual pode falar para qualquer sítio. Vai à frente, chamam-lhe chefe. Foi bom ter alguém a comandar a coluna de jipes, deserto fora, quando já ninguém via bem com tanto calor.
Este ano, o percurso - que começou em Mértola e terminou em Marraquexe - incluiu paragem em Chefchaouen, Azrou, Gargantas do Todra, Nekob, Zagora, dunas de Erg Chegaga, e Ouarzazate.
À boleia do XXL
Ainda temos milhares de quilómetros pela frente (ao todo, serão mais de três mil). Estamos a sair de Mértola, nem sequer passámos a fronteira. Vá, toca a subir para o jipe 15 atulhado de malas, tralhas e tendas, Ti Carvalho ao volante, Dire Straits e Pink Floyd a tocar (mais tarde, Marco Vilela haveria de substituir a banda sonora por funk brasileiro dos anos 70).
O nosso jipe era um Nissan Patrol longo, chamam-lhe o XXL. Ti Carvalho adora isto: "Gosto da paisagem, do convívio, da adrenalina." Eles preferem viajar assim, estrada fora, penetrando nos lugares mais inóspitos, conhecendo o país por dentro, parando aqui e ali, cruzando-se com locais e terriolas que de outra forma permaneceriam insondáveis. Porém, temos de o dizer: esta viagem não é turística nem é para descansar. É uma viagem, passe-se o pleonasmo, para viajar, na plenitude do termo, para conhecer uma outra cultura, neste caso, perceber o que nos une a ela.