Maria João Lopes relatou a expedição no blogue Em Viagem
Quando entrámos no jipe 15, conduzido pelo Ti Carvalho, mecânico de 56 anos, estávamos a milhas de saber o que nos esperava. O programa consistia numa expedição todo-o-terreno, de 31 de Agosto a 10 de Setembro, organizada pela autarquia de Mértola e a Merturis em conjunto com os Marafados do TT Algarve, e prometia fazer viajar os participantes pela herança do Al-Andalus: de Mértola a Marraquexe, em Marrocos.
Sabíamos que o propósito da viagem era de índole histórico-cultural, mas não imaginámos que iríamos regressar com vontade de ler poesia, a do rei Al-Mu'Tamid. Sabíamos que eram muitos quilómetros de estrada, com acampamentos no deserto e pistas nas dunas pelo meio, mas não podíamos imaginar que andar de jipe pudesse ser tão divertido, que iríamos ver paisagens de outra forma inacessíveis, suportar estoicamente o calor e rir dos contratempos. Não esperávamos que a equação aventura e arqueologia fosse tão possível. Definitivamente, desconhecíamos a odisseia que tínhamos pela frente. Ainda bem, a surpresa foi maior. Mas vamos por partes. Temos muito para contar.
Comecemos pelo motivo - a Câmara de Mértola tem razões históricas e culturais para realizar esta expedição, à qual chamou "Rotas do Al-Andaluz" (nome dado à Península Ibérica pelos conquistadores islâmicos do século VIII): Mértola foi também uma cidade islâmica e está repleta de marcas dessa época. Tem uma mesquita do século XII, hoje a Igreja Matriz de Mértola, na qual existem vestígios como o nicho da oração muçulmano, o mihrab; tem as ruínas de Alcáçova do Castelo, um bairro islâmico da mesma altura e um núcleo museológico dedicado à arte islâmica. Não é preciso passear muito por Mértola para encontrar ligações entre esta vila e o norte de África. Basta deambular pelas pequenas e estreitas ruelas para perceber que é um espaço intercultural. Mesmo um dos mais tradicionais e antigos ofícios da região, a tecelagem, foi beber às tradições berberes.
Durante o jantar que marcou o arranque da expedição, em Mértola - comemos gaspacho, prato que aquelas gentes voltariam a cozinhar em pleno deserto! - o presidente da autarquia, Jorge Rosa, sublinhou que esta "aventura" pretendia recuperar o "passado comum" existente entre a vila e Marrocos: "Esta herança é muito importante para Mértola", disse. A expedição inclui-se no Festival Islâmico de Mértola, um evento bianual, com financiamento comunitário, que já vai na sexta edição e no qual não faltam conferências, debates e animação musical com grupos de Marrocos, Egipto, Tunísia, entre outros.
Quanto à expedição, foi a segunda vez que aconteceu e a próxima deverá ser daqui a dois anos. A parceria com os Marafados surgiu por serem eles quem têm os "conhecimentos" para ir para o terreno, explicou o adjunto do presidente da autarquia, Luís Madeira, que também embarcou na aventura. De facto, o presidente dos Marafados, António Vilela, anda por Marrocos como se estivesse em casa, conhece cada recanto, cumprimenta todas as pessoas. É ele quem impõe disciplina no grupo, obriga a coluna de jipes a circular junta, faz com que cada horário seja cumprido, cada sítio visitado. Mas não é fácil: 35 pessoas, em 15 jipes, por estradas marroquinas - que a nós nos pareceram nunca antes navegadas -, é muita logística para acautelar.