O parque foi construído por um apaixonado pelo autocaravanismo dos Emirados Árabes Unidos: há uns cinco anos, quando andava por aquelas paragens, de autocaravana, decidiu comprar umas terras. Nelas, construiu o parque e ofereceu-o à população: são cerca de 50 locais que gerem e trabalham no espaço.
São agora 8h da manhã. Acabámos de acordar e à nossa frente é só neblina e montanhas. Hoje iremos subir o Alto Atlas até às Gargantas do Todra. Estamos no maior maciço da maior cordilheira do Norte de África e que é relativamente difícil de percorrer dada a inacessibilidade e isolamento. Ao longo deste cenário, o nosso jipe, o número 15, é um privilegiado por ser o último e poder ver os outros carros surgirem um a um, lenta e cinematograficamente, depois de cada curva e contracurva.
Naquela paisagem recortada por vales profundos e desfiladeiros apertados, estivemos pelo menos a 2654 metros de altitude. São muitos quilómetros de quietude, quebrados apenas, aqui e ali, por pequenas aldeias da cor da terra que nem devem vir nos mapas e nos guias. Alguns pastores, cabras, burros surgem amiúde. Crianças muito pobres que aparecem do nada e pedem um presente. Homens vestidos com a tradicional djellaba e turbante na cabeça.
Flautas e dunas
Há muitos pequenos espantos nas paisagens marroquinas. Volta e meia, há camelos, tendas nómadas a pontuar o imobilismo do deserto. Um oásis, por vezes. Gente que desce descalça montanhas impossíveis para vender bugigangas.
À hora de jantar chegámos à aldeia de Tamtattouchte, sempre rodeados por aquelas montanhas pinceladas de casas de argila. Dentro do albergue Kasbah Essalam, esperava-nos festa: entre tapetes, almofadões e mosaicos coloridos, a noite era de música tradicional. Ao som de flautas, pandeiretas e outros instrumentos, toda a gente dançou. Alguns ainda se alongaram, junto à piscina, em cantares alentejanos. Mais uma vez, o Alentejo desceu até Marrocos.
Finalmente, de manhã, fomos conhecer as Gargantas do Todra, um desfiladeiro de escarpas íngremes. Ficámos de pescoço erguido, rodeados por elas, imponentes, ainda mais avassaladoras com o sol a bater-lhes. E eis que finalmente, nesse dia, fizemos a nossa primeira pista: a do Tizi-n'Tazazert do Sagho central, como nos explicou Vilela.
Gostámos desta etapa - "uma pista para duros", com pedras, por vezes lenta -, mas a nossa parte preferida nestas coisas do todo-o-terreno foi o deserto de areia, quando andámos a subir e descer dunas de Oum-Jrane. Mas, seja em que pista for, a sensação é sempre de imensidão. Tudo parece desmedido, seja de pedra, rochosa, árida, rodeada de montanha ou com areia dourada. Foi também assim que nos pareceram as Portas de Ali (Bab n`Ali), a norte de Nekob. Entre aquelas duas formações rochosas em forma de pilares e sensivelmente simétricas, tínhamos um entardecer à nossa espera, e, claro -lá está outra vez o Alentejo em Marrocos -, um gaspacho que o grupo de Mértola cozinhou em pleno deserto. Foi ali que acampámos. Ainda não era o deserto de areia, mas não foi menos escuro por isso à noite.