Mas a viagem estava longe de estar terminada, embora estivéssemos a três dias do fim: ainda nos faltava... Marraquexe. Estamos a entrar na cidade e a pensar: ainda temos energia para aquele movimento nas ruas, aquele cheiro a especiarias, aquele trânsito caótico, mais calor, tanto artesanato...? Sim, Marraquexe contagia. Quem se cansa de deambular pela praça Jemaa el-Fna? Património da Humanidade, fica no coração da Medina, sobre a qual se ergue o minarete da mesquita Koutoubia (que inspirou os que foram construídos mais tarde pelos almóadas na Andaluzia), e é só cores e sons e motas e bicicletas que quase nos atropelam, comida típica, muito sumo de laranja doce, encantadores de serpentes, contadores de histórias, dançarinas, músicos. Mulheres que pintam nas mãos os padrões de hena para se embelezarem e protegerem contra forças sobrenaturais e malignas.
Moulay Said, 77 anos, o dono do hotel onde ficámos (um riad, casa tradicional disposta em torno de um pátio), diz-nos que "o cérebro de Marraquexe" é aquilo: "Toda a gente tem de ir ver a praça, os que vivem em Marraquexe, mesmo os marroquinos, têm de ir ver a praça à noite." Conversámos um pouco sobre Marrocos, a Europa, o hotel, mas o melhor estava para vir. Não resistimos a contar-lhe. Prepare-se para ouvir a incrível história de Moulay Said: Paris, 1971 -Moulay Said ouve uma conversa suspeita numa esplanada, segundo relata, entre o lendário terrorista venezuelano Carlos, o Chacal, e cinco japoneses. Percebe que se estariam a preparar para raptar o filho de sua majestade, Hassan II. Moulay Said resolve avisar de imediato um membro do governo. O ministro ter-lhe-á perguntado se ouviu bem. "Disse-lhe que estas palavras eram verdadeiras." Graças à intervenção de Moulay Said, o plano terá saído gorado. Conta que foi recebido pelo rei, no seu palácio, mas não quis nada, porque apenas cumpriu o seu dever. Nessa altura, os jornais, que Moulay Said fez questão de nos mostrar contavam apenas que um marroquino radicado em França tinha sido o responsável pelo feito. 35 anos depois, quando as autoridades lhe tentaram atrapalhar a abertura do riad, Moulay Said ter-se-á valido do seu passado para enviar uma carta ao actual rei (que, na altura, seria o filho em perigo), recordando-lhe a história e imediatamente obteve a licença de que precisava.
E poderíamos ter continuado a conversa - a narrativa merecia -, mas acontece que Marraquexe continuava lá fora. Não falta que fazer na cidade. Fomos às tumbas dos reis saadianos, um jardim-cemitério onde estão os túmulos desta dinastia e que representam bem, através da arquitectura, das colunas de mármore, e dos azulejos, as tradições andaluzas enraizadas em Marrocos. Datam do final do século XVI até ao XVIII e são dois mausoléus num jardim com flores que simboliza o paraíso de Alá.
Fomos também à cooperativa artesanal Twizra, a maior de Marraquexe, onde se pode comprar tudo: brincos, fios, anéis, pulseiras, malas, tapetes, carpetes, móveis e inúmeras antiguidades do século XVI ao XVIII. O representante da cooperativa estatal, Abdellah Damir, explicou-nos que 45 famílias vivem deste projecto e que todo o dinheiro reunido é depois investido, entre outras finalidades, na educação das crianças.