Fugas - Viagens

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À descoberta da natureza da Colômbia com os índios kogi

- Os kogi são desprendidos dos bens materiais, pouca ou nenhuma importância têm para eles. Apenas substituem os seus objectos, pessoais ou comunitários, quando já nada podem fazer deles. Mas são muito ricos espiritualmente - haveria de contar, lá mais para a frente, quando a manhã já ia adiantada, Sandy.

O indío kogi, sempre silente, continua sentado numa pedra lisa, em frente ao estábulo. Dele me aproximo, lentamente, até perceber que mostra uma expressão vazia.

- Julian!

Diz o nome e murmura algumas palavras desconexas, em castelhano, mais parecendo colonizado pela timidez. A língua dos kogi, da família chibchá arawak, é cada vez menos falada entre os aborígenes que habitam a vertente norte da Sierra Madre de Santa Marta.

- Vou para a cidade.

Julian gosta de fotografia e muito menos de falar. Olha para mim, agora com os seus olhos coruscantes, como um Irmão Menor. Não por temeridade mas apenas porque qualquer kogi evita o contacto com o homem branco para preservar as suas tradições. Mas há excepções, como nos conta Sandy.

- Na década de 1970, alguns hippies, vindos de Cali e Bogotá, chegaram aqui em busca da paz espiritual e com o intuito de partilhar com os kogi a sua cultura. O início não foi nada fácil. Os mamos recusavam-se a aceitá-los e proibiram mesmo os indígenas de se relacionarem com eles. A par da distância imposta pelos índios, fiéis às suas tradições e nada receptivos a revelar os seus segredos, também o conflito armado, anos mais tarde, motivou o regresso da maior parte desses hippies à cidade.

Até há bem pouco tempo, Tayrona estava mais associado à guerra civil e ao negócio do narcotráfico do que ao turismo. Durante anos, o parque transformou-se num campo de batalha para as FARC e os paramilitares, cobiçado por ambos para o processamento e o contrabando de cocaína. Em 2003, grupos armados chegaram a raptar oito turistas durante uma incursão e nos anos que se seguiram três directores do Tayrona foram mortos - incluindo uma mulher, Marta Lúcia Hernández, alvejada, aparentemente, por se recusar a ceder às exigências dos grupos paramilitares que pretendiam transformar o parque num verdadeiro entreposto de cocaína. Já com Álvaro Uribe na presidência, a situação sofreu uma mudança radical, baseada numa repressão militar que debilitou os esquadrões da morte e confinou as FARC à zona sul da selva. Hoje, a exemplo do que acontece um pouco por todo país, o Tayrona é um lugar seguro e, neste caso, legitimamente promovido como um paraíso para o turismo.

Sandy interrompeu a conversa por instantes, para dialogar com um amigo que com ela se cruzou, mas não perdeu o fio à meada. Passa a mão pelo cabelo sedoso e prossegue o raciocínio:

- Esses foram tempos muito difíceis, mesmo para os kogi, obrigados a deslocarem-se para aldeias mais seguras. Dos hippies, de todos quantos chegaram à procura da paz espiritual, apenas três resistiram e ainda hoje vivem, perfeitamente integrados, no parque. Mas só ao fim de mais de cinco anos foram aceites pelos mamos, passando então a participar em rituais funerários ou matrimoniais, já depois de terem aprendido a tecer, a cultivar as terras e a construir as suas casas. Com o tempo, começaram também a ensinar as crianças a ler e a escrever.

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