De repente, lembro-me de Álvaro Gimenez e mais o recordo quando leio numa placa, uma vez mais em madeira, que não é aconselhável passar daquele ponto depois da uma da tarde. Olho o relógio e verifico que são quase duas. Mais temerário me mostro quando, numa outra, me avisam: "Se amas mais os teus sapatos do que o trilho, não vale a pena caminhar." Não sinto qualquer adoração pelo que levo calçado mas na minha imaginação começa a pintar-se a dificuldade que me espera. Deixo as bananeiras para trás, com as suas bananas ainda verdes, e não tardo a perder o rasto da vereda. Escuto o marulho da água e recuo, não mais de duzentos metros, até quase ao ponto de partida. E volto a ler. "O caminho até Pueblito fazia parte de uma complexa rede de comunicações que ligava os pântanos e as baías com os povos da Sierra Nevada."
A subida é íngreme, as pedras escorregadias mas quando faço uma pausa, já depois de percorridos uns metros, o que avisto à minha frente, o mar azul e a densa vegetação, o que escuto, o piar de um pássaro ou o borbulhar da água que corre num riacho, assola-me uma sensação de prazer quase insano. Uma borboleta volteja no ar e um sinal indica-me que 70 por cento do trajecto foi completado. Por baixo das letras desenhadas a verde, alguém escreveu, não se sabe quando, que não aguentou mais e teve de voltar para trás. Um esquilo come em cima de um ramo de uma árvore, da qual pende a cauda. Fita-me com indiferença quando o fotografo.
Ao fim de menos de duas horas, suando como se estivesse no deserto, num dia de intenso calor, chego ao Pueblito, para os kogi conhecido como Chairama. Entre os anos 450 e 1600 d.C. aqui viveram cerca de duas mil pessoas, num conjunto de 250 fundações - algumas delas ainda de pé - que eram utilizadas como estruturas de armazenamento e de suporte para vivendas e casas de reunião. Sem que se possa comparar com a Cidade Perdida, que deixo para outra ocasião devido à distância, Pueblito não deixa de ser um lugar agradável, muito limpo, com os seus muros e as suas ruas em pedra, semelhando-se a um jardim viçoso.
- Ainda tens pela frente mais três horas.
A mulher, com um cabelo loiro-canário, caminhando no sentido contrário ao meu, quase me deixa apreensivo. Na selva, a noite cai mais cedo, bem sei. A bom ritmo, olhando aqui e ali, insistindo para além dos meus limites, sinto que será possível chegar antes do anoitecer a Calabazo. Passo por uma modesta loja de artesanato kogi e coloco os olhos naquelas palavras sobre desenhos feitos por crianças. Zenyate Nanikue é uma mensagem simples e sincera, apenas reveladora da forma como a tribo olha para os brancos - obrigado irmãos menores. Inicio agora o percurso descendente e não tardo a avistar, no alto de uma colina, uma galinha que parece fazer questão de se apresentar. Por trás, quase passa despercebida uma aldeia kogi, com as suas casas de troncos de madeira e de folhas secas de palmeira. São, por norma, seguindo as tradições seculares, concentrações que se caracterizam pela conservação de um modelo de casas pré-colombinas - bohios -, redondas e com um telhado de ervas cónico. Estas cabanas envolvem uma superior, a casa dos homens, destinada às funções cerimoniais e com acesso vedado às mulheres - na cultura kogi, homens e mulheres vivem separados.