Eu sei que ele mente, que mente com quantos dentes lhe assomam na boca, que não são mais do que três.
- Ajudas-me?
Dou a mão a Lady para vencer um pequeno obstáculo. Fala com orgulho do seu país:
- Já foste a Medellin? Não? Tens de ir.
A tia interrompe:
- E tens de ir a Providencia. Que lugar mais encantador.
Um casal de turistas ultrapassa-nos, ela com o filho às costas, ele com uma enorme mochila. Uma outra criança, de cabelo muito loiro, tronco nu, caminha descalça. Lady imita-a e tira finalmente os sapatos que estão agora cheios de lama. Aproveito para me despedir e seguir o meu caminho mas ainda a oiço dizer:
- Que Deus te abençoe.
Não sei se o fará, se terá mesmo essa intenção, mas reconheço, com uma certa gratidão, que foi bondoso quando, dali a meia hora, o trilho começa a ziguezaguear por entre a relva e se revelam umas cabanas e umas palmeiras que, fustigadas ao de leve pelo vento, se erguem aos céus pintados, aqui e acolá, com nuvens brancas e encaracoladas.
- Como foi? Bonito?
Reencontro-me com Sandy em Arrecifes e escuto atentamente o que tem para me dizer:
- Cuidado com a praia. Não corras riscos.
A poucos metros do lugar onde agora nos despedimos, uma tabuleta emoldurada por troncos de árvores toscos confirma os receios de Sandy. "Nesta praia já morreram afogadas mais de 200 pessoas. Não queiras fazer parte da estatística. Pensa nisso antes de entrar na água." Na areia, há restos de coco espalhados. Próximo da zona de rebentação, uma mulher medita e aceita, despreocupadamente, os lençóis de borrifos que jorram do mar onde o sol oscila. À sua direita, as ondas respiram de forma ofegante e batem contra as rochas lisas. Para trás, as nuvens brancas, pálidas como o leite, fundem-se com as montanhas de contornos suaves e uma casa de madeira, pintada de verde, surge dissimulada no meio da densa vegetação.
Caminho ao longo da praia, escutando a respiração possante do mar, observo as garças que, quase submissas, permitem a minha aproximação, até chegar, daí a instantes, à Piscina, uma baía onde as águas se mostram mais dóceis. Estendo a toalha e perscruto, de modo assombrado, a infinitude daquela beleza que entra pelos meus olhos, enquanto escuto vozes quase indistintas dos poucos turistas deitados na areia húmida. Há muitos anos, mesmo muitos, muito antes da chegada do turismo, os kogi visitavam este lugar para prestar o seu tributo à Grande Mãe e, assim, manter o equilíbrio planetário.
A subida até Pueblito
O Cabo San Juan de la Guia, a poucos mais de vinte minutos, é o destino que se segue, sempre ao longo da praia. Tendas coloridas mancham o verde da paisagem, parecendo minúsculas sob a sombra que emana das palmeiras dançantes. Aqui, onde nada se pensa, onde nada se deseja, não é permitido ingerir bebidas alcoólicas. A partir de um campo de futebol, com as suas balizas imperfeitas, avista-se um promontório onde repousa uma cabana com tecto de palha. Uma língua de areia dá lugar, antes da subida, a um conjunto de rochedos e a alguma vegetação. De um lado e do outro, formam-se duas baías. As ondas vêm namorar a areia na mais completa quietude, permitindo que um barco repouse serenamente naquelas águas onde uma mulher mergulha silenciosamente. No interior da cabana, por onde entra uma brisa fresca, há redes espalhadas um pouco por todo o lado, umas ocupadas por turistas, outras órfãs na sua solidão. O mar, agora de cor prateada, recebendo os raios fragmentados do sol, perde-se no horizonte e eu faço o caminho de volta, para entrar naquelas águas, na expectativa de me sentir revigorado para percorrer o longo caminho que ainda me falta para chegar a Calabazo.