Fugas - Viagens

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    Tunísia Camilo Azevedo

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Histórias do Mediterraneo II: O caminho das areias

A desertificação humana não é um exclusivo das terras ingratas. Nas terras de cereal mais ricas, ao largo de Fez e de Mequinez, ainda se debulha o trigo a sangue, com recurso às juntas de mulas. Onde a grande propriedade polariza de um lado os rendimentos, e do outro a rudeza do trabalho, a partida é também uma questão de tempo. Não longe, nas encostas do Rif, a mó, ou andadeira do moinho de água onde o cereal se faz pão, continua a girar imune às novidades da técnica, apesar de já estarmos, de novo, na cidade. Também aqui chega o momento em que a vontade do homem e a sua paciência se decidem pela mudança. Quando ainda há pão, mas a vida fica para trás das esperanças. É assim, acaba sempre por se partir enquanto se tem força e modo para tanto. Em direcção às cidades maiores, em direcção à costa e para a Europa. Até onde não cheguem as areias.

Parte-se para mudar de vida, para se fintar o destino e se encontrar um novo destino. É esta a saga do Mediterrâneo. Assim é desde os primeiros navegadores fenícios e gregos. Assim foi com os perseguidos de todos os tempos. E é essa a promessa que se respira nas pensões e cafés da cidade velha de Tânger.

A Europa fecha hoje um dos sentidos deste mar. Como se fosse possível fechar a porta à busca de um paraíso na Terra. Como se fosse possível amarrar a condição humana à resignação. Como se as Atlântidas nunca tivessem existido...

Coloque-se, por um momento, na pele de um senegalês ou de um berbere do Sul de Marrocos. Na aldeia, um dia, você decidiu partir, como muitos outros. Decidiu somar à pobreza umas boas centenas ou até milhares de quilómetros de Esperança, para chegar a Tânger. Aí você espera. Dias e dias. Dependente de um passador. Alguém lhe diz que o mar que tem à frente dos olhos já engoliu milhares de pessoas. Quatro mil na última década, para sermos mais precisos. E você? Desiste? Não desiste você, nem os outros que estão consigo. Como o navegador de há quatro ou cinco mil anos, você vai mesmo franquear este mar, porque ele não é um muro. Ali, na linha do horizonte, está a Europa. A Atlântida, pois claro.

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Histórias do Mediterrâneo I: Cidades do mar, cidades do encontro

Histórias do Mediterraneo II: O caminho das areias   

Histórias do Mediterraneo III: O mar dos milagres

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