Durante muito tempo, a fronteira entre os povos ditos bárbaros e os civilizados foi traçada pela cultura grega. Só no primeiro quartel do século XIX, Napoleão e as suas campanhas militares puxaram o país dos faraós para o clube dos eleitos. De fora, do lado dos "bárbaros", ficava ainda a Mesopotâmia. A injustiça só foi reparada quando, em 1930, no museu de Pergamon, em Berlim, foi apresentada a reconstituição de uma das sete portas da Babilónia. É aí, no centro de Berlim, que se encontra a porta de Ishtar, uma deusa bipolar, que tanto servia a causa da guerra, como as do sexo e do amor.
Juntamente com a porta, o museu reconstituiu a via que lhe dava acesso. A original era três vezes mais larga e oito vezes mais comprida. Mas os leões que a decoravam é em Berlim que se encontram. Os babilónios davam a esta avenida o nome de Ibu Sabu, literalmente "Que não floresça o orgulho". No caso, trata-se de excesso de modéstia. Na realidade, o grande contributo da Mesopotâmia para as civilizações contemporâneas foi "apenas" a invenção da cidade e do urbanismo.
MARI
Junto ao Eufrates
De Berlim para Mari, uma cidade suméria no Eufrates, o salto é o da imaginação. Onde, no museu, o visitante pode apreciar fragmentos de paredes de adobe revestidas a cones, em Mari contenta-se com aquelas, inteiras, mas despojadas de ornamento. Em contrapartida, tem o prazer de se passear entre muros e paredes de terra com cinco mil anos e cinco metros de altura...
Mari foi erguida a três quilómetros do Eufrates, em terra hoje desértica. Mas, ao contrário do que se possa pensar, na Antiguidade não havia falta de água. As cidades do Centro e do Sul da Mesopotâmia localizavam-se em planícies que, devido às cheias, eram pantanosas. A maioria da população vivia em barcaças e habitações precárias. É estranho visitar um sítio arqueológico sem ponta de verde e imaginar, aí, uma vida de rio do Extremo Oriente...
Os grandes templos - as casas de deuses que viviam na Terra -, o palácio e casas de famílias influentes eram as únicas a elevarem-se acima do nível das águas, assentes sobre colinas artificiais a que se deu o nome de tell's. O olhar desprevenido também não percebe isso à primeira. Precisa de explicador. E antes deste, de quem, com infinita paciência, escave camada por camada, até se entender a escala e o pormenor da acção humana que a terra escondeu. Visitar Mari não é, por isso, o mesmo que passear por uma cidade medieval. Ali, as paredes estão enterradas nas entranhas do tell, escondidas do céu e do vento. Não existem os fantásticos mosaicos que se podem apreciar nos museus do ocidente - tudo é monocolor. E, contudo, é uma revelação. Há cinco mil anos, Mari já desviava cursos de rio e fazia canais entre este e a cidade.
O domínio das águas comandava a vida. Porque se o Eufrates é hoje um rio sonolento e preguiçoso, tal fica a dever-se a um megalómano programa de barragens que a Turquia e a Síria vêm pondo em prática nas terras de montanha e nos altos planaltos que ele atravessa. Nascidos nas montanhas do Curdistão, o Tigre e o Eufrates são alimentados por neves eternas. Eram, portanto, rios selvagens, poderosos e imprevisíveis. Quando chegavam às planícies da actual Síria e do Sul do Iraque alagavam as terras, espalhando os sedimentos que enriqueciam o solo.