Está à sombra de uma ponte e na margem do pequeno ribeiro do Enxarrique, perto do Cabeço das Pesqueiras, que um pouco mais à frente se encontra com o Tejo, por onde, aliás, era escoada a produção: nos velhos tempos, o ribeiro tinha margens de pedra por onde os homens arrastavam as barcas do lagar ao rio. São dois os edifícios que constituem o lagar, edificados em xisto e quartzito, típicos da região, e agora recuperados, depois de décadas de abandono: no principal recria-se o lagar e expõem-se vários objectos ligados à cultura e história do azeite nestas paragens; no secundário alberga-se o Centro de Formação Artística Manuel Cargaleiro, natural do concelho, atelier de tecelagem e trapologia, onde três teares estão em pausa, mas com trabalhos começados: dois tapetes, um branco e negro, o outro vermelho e branco. Terminados estão já muitos trabalhos, à venda: sacos de pão, individuais, pequenas bolsas de “trapos” e até uma carteira (em breve haverá um alinha desenvolvida com a ESART).
A entrada é uma espécie de homenagem a Manuel Cargaleiro e à sua mãe, Ermelinda Cargaleiro que, em 1825 começou a fazerpatchwork e em 1980 expôs pela primeira vez, em Reims. A família é oriunda de Foz do Cobrão, onde durante algumas décadas no final do século XIX e princípio de XX funcionou uma fábrica de fiação em regime quase de cooperativa - o núcleo museológico da aldeia é precisamente dedicado a esta arte.
A marca de Manuel Cargaleiro está visível em vários pontos de Vila Velha de Ródão que nele tem um dos seus filhos mais queridos. O pintor e ceramista tem vários painéis de azulejos para usufruto geral – um dos mais notáveis em frente ao centro de saúde, uma seara ondulante, outros dois no Largo Dr. António Gonçalves, mais conhecido por Largo das Laranjeiras (laranjas amargas, dizem-nos), a enquadrarem um busto em sua homenagem.
Estamos em frente à igreja matriz e já desistimos de encontrar um centro para Vila Velha de Ródão. Todos nos miram como se extraterrestres fôssemos quando perguntamos pelo centro: a câmara?, a biblioteca?, o pelourinho?, respondem. Não há um centro e talvez isso se deva ao crescimento da vila, de costas voltadas: à beira-rio, os pescadores; em cima, os serviços, entre eles a fronteira na forma de linha de caminho-de-ferro. Durante muito tempo, foram mundos que pouco se cruzaram, agora o casario cresce indisciplinado pela colina, em ruas, ruelas, viaduto e escadarias. Há umas poucas casas de ambição senhorial, como varandas dispostas para o rio; e um largo de pelourinho, empedrado e inclinado, pouco amigo de convívio.
À beira-rio, muitas casas abandonas denunciam a escassez de população. Um dos restaurantes mais famosos de Ródão, o Pombalinho, está abandonado - “faziam-se filas de carros aqui”, na N18, com o trânsito de Lisboa, e a “maior freguesia do concelho”, brincam, é o lar da terceira idade. São quase todos idosos como os que vemos a entrar e a sair da biblioteca, que juntamente com a Casa de Artes e Cultura do Tejo serão os edifícios públicos mais modernos de Vila Velha - autênticas varandas para o Tejo e janela para os milénios que aqui passaram na forma de troncos fossilizados no jardim. A migração para Lisboa e seus arredores atingiu fortemente o concelho e a própria vila.