Vulcões no nevoeiro
Para já, a nossa guia chama-nos a atenção para o Puy de Dôme, o cone adormecido, rei dos muitos vulcões, quatro vintenas, para falar à francês, que existem distribuídos por várias cadeias, na região. Da Rue de Gras, ao cimo da qual se ergue a Catedral da Assunção, o porte altivo daquele monte, de ar inofensivo, destaca-se, como se o monumento natural, que alberga um templo pagão, dedicado a Mercúrio, quisesse fazer frente à verticalidade gótica do templo cristão.
Sorte de principiante, esta vista. O sol que nos recebeu na primeira tarde em solo gaulês não quis nada com a Fugas praticamente todo o resto da viagem. E assim, a promessa de uma vista deslumbrante na subida em comboio panorâmico ao Puy de Dôme, no dia seguinte, quase não passou disso mesmo, de uma promessa. O monte cercou-se de nuvens, a fazer-se todo mistério, e ainda por cima recebeu-nos com temperaturas abaixo de zero que retinham uns fiapos de neve no cume, a quase 1500 metros de altitude.
Estamos em pleno Parque Regional Natural dos Vulcões de Auvergne, no dorso de um deles, e nada. Nem um para amostra. Até que, ao descer, por breves minutos, o segredo se quebra. Levantado o véu de névoa - Obrigado ó Mercúrio, que São Pedro não fez por merecer! – ei-los que surgem, pontuando a paisagem, os puys, como lhes chamam aqui, que, até há sete mil anos, foram expelindo a lava e cinzas que acabaram por dar forma, e fertilidade, a toda esta região.
Deixámos o Puy de Dôme para trás e metemo-nos para sul, na companhia de um outro falcão à caça, a caminho de Mont-Dore. Viajámos debaixo de nuvens e chuva. Até que, a uns 1300 metros de altitude, nos vimos debaixo de neve. Dessa que cai e permanece, esbranquiçando o fim de Maio, as margens do lago de Guéy, que, como outros por aqui, encheu uma cratera; dessa que dá a Mont-Dore, quando a vislumbramos, estendida num vale, à distância, um ar de estação de esqui.
Bom, na verdade, Mont-Dore é mesmo uma estação de esqui. E famosa. Mas ninguém espera acordar num hotel, em frente ao teleférico e às pistas, e vê-las quase a jeito de serem reabertas, nesta altura do ano. Não estava no programa. O tempo está louco, hão-de fartar-se de nos dizer, como que desculpando-se, todos os que nos receberam para comer ou dormir. Tinham razão. Que o diga um grupo de pedestrianistas, que vinha preparado para uns amenos 15 a 20 graus, ou os loucos ciclistas que haveríamos de encontrar, na manhã seguinte, subindo a montanha, de saco plástico a proteger o calçado.
Numa das tréguas de um nevão, Adriano Miranda conseguiu fotografar finalmente os rochedos Tuilières e Sanadoires, monumentais marcas do vulcanismo com os quais se abriu este artigo. Debaixo deles, a estrada que se embrenha pela floresta de Guéry é uma delícia para os amantes da natureza, que merece ser percorrida no Outono, quando as faias filtram a luz em tons de amarelo, laranja, vermelho e castanho, à espera do Inverno. Ainda assim, verdes como as vimos agora, estas árvores que têm uma forma muito própria de estenderem os seus ramos ao sol são uma bênção. Que uns monges ortodoxos aproveitaram, instalando aqui um mosteiro.