Corremos de novo para Mont-Dore, até ao mais antigo funicular de França em funcionamento, para uma volta que, lá em cima, acabará numa amena conversa com João Freitas, natural de Romarigães, a aldeia da Casa Grande Aquilino, em Paredes de Coura. Vive e trabalha aqui este minhoto, já com filhos franceses, que, como diz a cantiga, há-de ir a Viana, terra da mulher, este Verão. Descemos a dar-lhe felicidade, essa que todos experimentamos quando descobrimos a pátria onde menos esperamos.
Mal sabíamos o que reservava ainda o dia. Terminada uma interessante visita às termas de Mont-Dore, um edifício que guarda ainda muitos vestígios da utilização destas águas tépidas pelos romanos, apontámos o GPS para Besse. Mais concretamente para uma quinta, a Ferme la Clef des Champs, algures lá nas montanhas, um pouco para sudoeste, onde nos prometiam uma experiência numa queijaria que produz um dos vários queijos com denominação de origem controlada de Auvergne, o Saint Nectaire.
Chegámos, anunciámo-nos, em francês, como os jornalistas "portugais", e logo a sorridente mulher nos mandou, literalmente, falar em português. Maria Adelaide, vida que, só por si, dava um belo livro, de tão intensa, veio aqui parar depois de responder a um anúncio do jornal de um solteiro que procurava companhia. Casou-se. E é o filho, Phillipe, estranho à língua de Camões, e a nora Nathalie, de raízes na Holanda, que fazem o famoso - e característico - queijo de vaca desta zona, conseguido, dizem-nos, por causa dos pastos de altitude em que se alimenta o gado da região.
Em Vichy, a das termas
De estômago forrado com o queijo e com a tarte de maça da dona Adelaide, afastámo-nos da serra, do frio e da neve, seguindo mais para leste, até St. Germain de Lembron. Quase ao chegar, uma nesga de sol apareceu a pedir que fotografássemos Chalus, uma aldeia que, assim, com o seu castelo do século X, tomava, à distância, ares de postal ilustrado carregado de história. Uma característica comum a quase duas dezenas de povoações desta pequena planície vinhateira, atravessada pelo rio Allier, há-de explicar-nos Mireille Marotte, em cuja casa, aberta como turismo de habitação, passámos a noite.
Dormimos num verdadeiro museu, privado, da I Guerra Mundial, fruto de uma paixão coleccionista do homem da casa - e cozinheiro de mão cheia - Fabien. Que nos prepara uma truffade - batata gratinada com muito, muito queijo - a pedir meças a uma outra que experimentáramos, no primeiro dia, no aconchego do restaurante Pile Poele, em Clermont. Mas corremos dali, pela manhã, que o nosso roteiro ainda anunciava umas voltas por esta região que de facto lembra a Toscana, pontuada de aldeias aqui e ali, antes de nos apontar a rota para norte, a caminho de Thiers e, depois, Vichy.
A cidade de Vichy, que preserva ainda muito do seu esplendor Art-Deco, merece uma visita, mesmo de quem não pretenda usufruir das suas termas, cuja fama há muito ultrapassou fronteiras. Merece-o também, por oposição, Thiers, mais a sul, de ar mais pobre e sujo, encavalitada sobre um rio de forças tremendas que alimentaram, durante séculos, as máquinas de uma das mais famosas indústrias de cutelaria da Europa. Se num lado as termas se transformam em spa, por aqui, as tradições reinventam-se também. E artesãos, como Emmanuel Laplace, quinta geração na família no atelier 1515, tornam-se artistas, conquistando o mundo com as suas criações.