Estivemos quase a perder a esperança. Enquanto o barco baloiçava, embalado por ondas pequeninas, e nos preparávamos para o terceiro mergulho, já pensávamos que as jamantas não iam aparecer. Não é que tivéssemos encontro marcado — e também não estávamos ali só para isso — mas ir a Santa Maria e não ver jamantas era como ir a Roma e não ver o Papa. Teríamos sorte à terceira tentativa?
Antes de partirmos de Lisboa rumo a Vila do Porto, o único concelho da ilha, fizemos uma pesquisa rápida na Internet. As notícias mais recentes eram animadoras: “Concentração invulgar de jamantas atrai turistas a Santa Maria”. Dizem os empresários com centros de mergulho na ilha que esta espécie de manta da família das raias tem aparecido em maior número nos últimos anos. Garantem que aquele é o melhor sítio da Europa para mergulhar com estes enormes peixes e parecem ter convencido sobretudo os turistas estrangeiros, que ali têm chegado em romaria.
Tínhamos de confirmar. E para isso fomos munidos de armas e bagagens. Na mala da jornalista, 20 quilos de equipamento de mergulho habituado a estas andanças. Na do fotógrafo, uma caixa estanque para a máquina fotográfica e um curso de mergulhador tirado mesmo a tempo da viagem. Tudo a postos para ir conhecer os segredos subaquáticos da ilha mais continental dos Açores.
Comprimidos para o enjoo
Somos oito ao todo no barco do centro Paralelo 37, fora o skipper, que conduz o semi-rígido carregado de coletes agarrados às garrafas de ar, máquinas fotográficas e de filmar, barbatanas e mochilas com o lanche. É sábado, saímos cedo do porto da vila, cerca das 9h30, e só contamos regressar a terra por volta das 17h.
Rui, um dos guias, tinha avisado na noite anterior: levem roupa quente, a viagem é longa. Até ao ilhéu das Formigas, um aglomerado de oito pequenos rochedos situado a cerca de 24 milhas náuticas a nordeste de Santa Maria, demora-se cerca de duas horas. Isto se não encontrarmos golfinhos ou tubarões-baleia no caminho, avisou Rui. Se os encontrássemos, até podíamos demorar o dia inteiro, pensámos nós.
Tubarões-baleia não vimos. Um grupo de mergulhadores avistou um poucos dias antes de chegarmos à ilha, mas não tivemos a mesma sorte. Tivemos outra. Quando vimos um bando de cagarros alvoraçado percebemos que não estavam sozinhos: estas aves, muito características dos Açores, caçam em parceria com os golfinhos. É como uma coligação que resiste ao passar do tempo: os golfinhos atacam os cardumes de peixes debaixo de água e os cagarros aproveitam os peixes que fogem para a superfície, mergulhando num voo picado para os apanharem.
À medida que nos aproximamos, os cagarros afastam-se e os golfinhos pulam, calorosos, em volta do semi-rígido, com as barbatanas dorsais a rasgar a superfície da água, e não nos largam durante uns dez minutos. Parecem estar em êxtase, quase tanto como nós, por os vermos. Pelo caminho, à ida e à volta, encontramos quase uma dezena de grupos de golfinhos comuns e riscados, com o mesmo entusiasmo.
Avistamos ao longe o pequeno farol das Formigas, com a espuma das ondas a rebentar contra os rochedos. Não é tão mau como parece. No mergulho que fizemos no dia anterior, junto à costa Sul da ilha, na Baixa da Pedrinha, o mar estava tranquilo. Mas em mar aberto o caso muda de figura. O segredo é cair logo na água e descer, para fugir da corrente à superfície, mas quando o estômago começa às voltas não há como voltar atrás. Nota mental para a jornalista: para a próxima, levar comprimidos para o enjoo.