Fugas - Viagens

  • Ataco é apontada como uma das mais pitorescas cidades coloniais de El Salvador
    Ataco é apontada como uma das mais pitorescas cidades coloniais de El Salvador JOHN COLETTI
  • Ataco
    Ataco DR
  • A igreja domina a praça  de Juayúa
    A igreja domina a praça de Juayúa JOHN COLETTI
  • As ruínas de Tazumal
    As ruínas de Tazumal ULISES RODRIGUEZ/REUTERS

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El Salvador, as flores de um segredo que é nosso

- Hola, buenas.

A menina, de tenra idade, com uma vassoura na mão, saúda-me.

- Una foto?

O deficiente, sentado numa cadeira de rodas, com uma garrafa entregue à sua vigilância, parece esperar a minha concordância para, uma vez satisfeito o desejo, cair num sono tão pesado como as pedras desta artéria que me leva à Cruz del Cielito Lindo. A partir daqui, deste miradouro com uma panorâmica soberba, escutando apenas a minha respiração ofegante, compreendo melhor o significado, em náhuat (falado pelos pipil), de Ataco, o lugar de elevados mananciais ou, como também a gostam de apelidar, a verdadeira sucursal dos céus. Se até há alguns anos a esta parte, a 3 de Maio, Dia das Cruzes, todos os caminhos levavam à Cruz del Chico, de onde a vista alcança a vizinha Ahuachapán, agora, devido à sua maior proximidade em relação ao centro, as celebrações religiosas têm a Cruz del Cielito Lindo como cenário, conquanto a igreja paroquial, moderna em construção mas exibindo um requintado trabalho de madeira no tecto, permanece como principal centro de culto. Uma mulher, de cabelo escuro e vestida de branco, faz uma genuflexão junto às escadas; no interior da igreja, onde cabem 500 almas, a imagem de Cristo crucificado e todo o altar reflectem-se nos ladrilhos asseados; da rua, dos altifalantes na praça, chega um som pouco adequado ao momento e ao espaço onde me encontro, a voz de Roger Waters, “so, so you think you can tell, heaven from hell”, mas também um aroma condizente com o meu apetite.

- Gallina india? Muy rica. Quieres tortillas?

A uns metros, depois de erguer a minha garrafa de cerveja na sua direcção, um homem com o carro cheio de peças de roupa, qual pronto-a-vestir sobre quatro rodas, saúda-me de uma forma genuína e dois velhos, recortando-se contra os bizarros murais de uma loja de artesanato, mais parecem matar as horas do dia que não tarda a banhar-se de escuridão.

A melancólica Apaneca

A manhã do dia seguinte, após um café (o cultivo é a principal fonte de receitas de Ataco) que acorda o mais sonolento, encontra-me já em Apaneca, também uma zona cafeeira por excelência mas, àquela hora, ainda a dormir um sono quase profundo. O seu nome significa Rio dos Ventos mas não corre uma única brisa e a atmosfera, a despeito do azul do céu ocupado por uma ou outra nuvem que se semelham a farrapos de algodão, está embebida de tons melancólicos, como se Apaneca não fosse mais do que um espectro do passado.

- Hoy es domingo, es muy temprano.

A mulher sorri, com um olhar dócil, como se pretendesse atenuar o meu desapontamento ou como se fosse a única culpada daquele lento despertar. Em tempos, a igreja de San Andres Apóstol, com os seus 400 anos, dominava a cidade que é a segunda mais alta (1450 metros) de El Salvador, depois de Los Naranjos. Mas o terramoto de 2001 reduziu-a a ruínas e, actualmente, pouco mais oferece do que um clima agradável (beneficiando da protecção da Cordilheira Apaneca-Ilamatepec) e algumas ruas empedradas, bordejadas, aqui e acolá, por casas térreas de tonalidades fortes.

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