Forte é também o café que a senhora me coloca na mesa antes de me despedir, a caminho da Laguna Verde, a escassos quatro quilómetros. Seguindo um trilho de terra batida, depois de abandonar o asfalto, caminho a dois passos de um homem que carrega na cintura um enorme punhal, cuja lâmina parece estilhaçar-se sob os raios do sol. A vegetação é escassa mas mostra-se mais exuberante à medida que a subida se começa a tornar mais íngreme.
- Suerte. La laguna se queda cerca.
O punhal continua a brilhar mas com uma intensidade menor do que o olhar deste homem cheio de boas intenções.
- Uns cinco minutos más. Es preciosa.
Antes de se despedir, com um aperto de mão, pergunta-me ainda, na sua humildade, se pretendo visitar a Laguna das Ninfas e, perante a minha resposta negativa, com o argumento de que fica para a próxima, fita o céu e coloca o futuro nas mãos de Deus, enquanto eu não tardo a colocar os pés na água esverdeada e fria da lagoa que se formou numa antiga cratera. Solitário, empreendo o trajecto de regresso ao alcatrão e, mesmo sendo domingo, não tardo a entrar em mais um autocarro, este com mais cores do que um arco-íris.
- Adelante, dale, dale.
E o motorista, seguindo à letra as palavras do cobrador, arranca de uma forma tão brusca que por pouco não me espalho ao comprido no corredor. Segurando a minha mochila, aterro mesmo a tempo num dos espaçosos bancos, perante o semblante risonho dos guanacos, gentílico dos salvadorenhos. Vinte minutos e quarenta cêntimos depois, já em Juayúa, ainda com as imagens dos indígenas na berma da estrada vendendo mel em garrafas recicláveis a preencherem-me os pensamentos, tenho dificuldade em acreditar no que me é dado à contemplação, mesmo sabendo que, por aqui, os fins-de-semana são sinónimo de festival gastronómico.
A vibrante Juayúa
A cidade voga e estrondeia, a música espalha-se pelas ruas apinhadas de gente, colunas de fumo sobem no ar e o cheiro das carnes e dos legumes nos grelhadores ao redor da praça inebriam o mais insensível aos aromas. Na parte superior de um autocarro, rapazes e raparigas na flor da juventude mexem o corpo a um ritmo frenético, agitando tudo e todos à sua volta. Na porta de uma garagem, encimada por uma placa proibindo o estacionamento, está estacionada uma família numerosa entretida com suculentos pedaços de carne e outras iguarias; mais para lá, tendo um muro de tijolo como fundo, uma inscrição bizarra: Zorro não conhece o mundo mas o mundo conhece Zorro. Juayúa, com os seus fins-de-semana festivos, merece uma adaptação: o mundo não conhece Juayúa mas Juayúa conhece o mundo.
- Vamos a bailar?
Logo me arrependo mas a simpática senhora, já na meia-idade, não merecia a desfeita. Deixo-me ir, sacolejando, num passo manquejante, desprovido de qualquer sentido estético, envergonhado.
- Qué importa? Es dia de fiesta.
Sento-me, respirando como se tivesse terminado uma qualquer maratona. Ela, o marido e os filhos bombardeiam-me com perguntas. Estão de férias, fazem parte, como tantos outros neste domingo em Juayúa, da diáspora a viver nos Estados Unidos, e não escondem a felicidade por um regresso, ainda que fugaz, a El Salvador.