-Bako?
Com os olhos postos no guia, atirou a palavra, sem um destinatário específico. O filho, indiferente às tonalidades douradas de um final de tarde glorioso, brincava com o telemóvel, enquanto a mulher, remetida ao silêncio, parecia olhar sem ver o horizonte distante, toda aquela paz crepuscular que se abatia sobre a cidade.
- Não me parece que sirvam álcool.
Aquela língua, aprendida na adolescência, soava-me familiar. Levantei a cabeça e, de relance, vi que o casal holandês, já na meia-idade, se observava mutuamente, ele com uma expressão pouco benigna no rosto.
- De que é que estás a falar?
- Se prestasses atenção, se olhasses menos para o livro, terias ouvido as minhas palavras.
Eu escutava mas não ousava levantar os olhos na direcção da mesa, talvez por sentir naquele diálogo bizarro uma tensão crescente.
- Disse-te que achava que aqui não vendiam bebidas alcoólicas. Não leste na placa, à entrada, que é expressamente proibido o consumo? Não estavas a perguntar se queria um baco?
- Se querias um Bako? O que é um Bako?
- Não sabes? Nunca bebeste um Bacardi cola? Um Bacardi cola é um baco.
- Essa é boa. Estava a falar de Bako National Park.
Um e outro, já mais descontraídos, não deixaram de rir com gosto perante a confusão instalada.
- Podia ser uma boa ideia para amanhã.
Ela concordou, quis saber onde ficava e qual a melhor forma de lá chegar.
- O guia não me esclarece mas podemos sempre apanhar um táxi até uma aldeia e, daí, de barco, até à entrada do parque.
Entretido a bebericar a minha limonada, com os olhos pousados no Astana, o palácio governamental que, juntamente com o Forte Margherita, domina a margem norte do rio Sarawak, prontifico-me a dar uma ajuda, aludindo à hipótese de, por menos dinheiro, poderem recorrer ao autocarro.
- Então, se não vir inconveniente, vamos juntos e, uma vez na aldeia, alugamos um barco. Para nós é um prazer.
Por ali fiquei, ainda mais umas horas, olhando a cidade adormecida e as suas luzes bruxuleando nas águas serenas, já sem a companhia da família holandesa mas acompanhado das recordações de um dia que começara logo ao romper da aurora.
Relíquia colonial
Em malaio, Kuching significa gato e, um pouco por todo o lado, na rua e no comércio local, a figura do felino é explorada até à exaustão. Quando a Jalan Padungan chega ao fim, do lado oriental, o viajante sente-se observado por uns olhos de um azul vivo e ofuscado pelo branco leitoso do Grande Gato de Kuching, empoleirado sobre uma base da mesma cor, uma vez com uma indumentária, outra vez com outra; se fizer o caminho de volta, até ao outro extremo da rua, em tempos o centro da cidade, outros quatro gatos recortam-se no centro da rotunda; um passeio à beira-rio, qual esplanada que se estende ao longo de 900 metros, conduz inevitavelmente ao encontro de outras estátuas, também visíveis nas traseiras do Hotel Grand Margherita, na Jalan Tunku Abdul Rahman. Mas a maior homenagem às origens e à mascote da cidade está a 11 quilómetros, na forma de um museu que exibe fotografias, trabalhos artísticos produzidos por crianças e cartazes de filmes com a participação de gatos. Se, para o visitar (a entrada é gratuita), necessita de transporte, para ver as principais atracções de Kuching basta que as pernas lhe obedeçam, deixando-se levar por entre ruas e vielas cheias de charme à descoberta dos seus tesouros escondidos.