Fugas - Viagens

  • Sérgio Azenha
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Trinidad, a perolazinha cubana

Villa de la Santíssima Trinidad, como era designada nos seus primórdios, a cidade foi uma das sete originalmente fundadas pelo conquistador e primeiro governador de Cuba, uma decisão assente num potencial de riqueza que os anos seguintes haveriam de confirmar, superando mesmo as expectativas iniciais.

Os índios tainos, nativos do lugar, perscrutando o brilho do ouro, exploravam já nessa altura as areias auríferas dos rios, um argumento forte que, apoiado na proximidade do mar, rapidamente convenceu os espanhóis a instalarem-se, alimentando o sonho de um rápido enriquecimento. Quando, uns anos mais tarde, o filão se esgotou, os colonos dedicaram-se então à criação de gado e à plantação de tabaco e de açúcar, tendo este último produto, a par do contrabando de escravos provenientes da Jamaica, proporcionado a Trinidad uma época de esplendor que se prolongou entre os séculos XVII e XVIII.

A meio da tarde, sob um céu que ameaça abrir a sua cortina, vagueio por territórios impregnados de silêncio e de história. Desde o campanário da Hacienda Iznaga e, antes, desde o Mirador de la Loma, observo, contemplativo, como um turista diante de uma tela, o mar de vales que se estende à minha frente, não de ondas mas de canas-de-açúcar que uma suave brisa faz ondular sob a vigilância apertada da pitoresca Serra del Escambray. À minha frente, esplendoroso mas órfão de um passado rico, estende-se o Valle de los Ingenios, respirando uma melancolia nostálgica de um tempo em que agitava os mercados mundiais do açúcar.

Numa era de prosperidade, beneficiando de um clima suave, da fertilidade do solo e da localização do porto, que facilitava o comércio com as restantes ilhas das Caraíbas, Trinidad atingiu um tal patamar de riqueza que ainda hoje, ao ser recordado por todos aqueles que se interessam pela sua história, em dois ou três dedos de conversa espontânea num qualquer alpendre de casas aristocráticas ou simplesmente na rua, se ouvem suspiros que rasgam a quietude desta cidade dormente. Enquanto o Valle de los Ingenios, também conhecido como Valle de San Luis, se enchia de açúcar, de moinhos de cana ou engenhos açucareiros — daí o nome —, a cidade resplandecia, efervescente, enriquecendo do dia para a noite, da noite para o dia. Trinidad vivia o seu período dourado, os ricos fazendeiros construíam as suas mansões ao redor da Plaza Mayor, o coração desta jóia colonial, e decoravam-nas de forma sumptuosa, com móveis franceses, porcelanas de Limoges, prata oriunda do México e pianos da Alemanha.

Ainda hoje, tantos anos depois, pouco ou nada parece ter mudado nestas ruas onde apenas as pedras e as casas, umas bem conservadas, outras transmitindo uma imagem de desolação e abandono, são testemunhas de um passado glorioso. Mas, ontem, tal como hoje, todas as ruas convergem num único sentido, para a magnificente Plaza Mayor, com as suas fachadas em tons de pastel e os seus jardins protegidos por um rectângulo em ferro pintado de branco, da cor dos bancos, feitos do mesmo material e sempre receptivos à indolência dos seus habitantes, muitas vezes de olhar triste, como se procurassem neste espaço a herança de um tempo vivido pelos seus antepassados. Se, durante o dia, a inclemência do sol os convida a ficar por casa ou a entregarem-se às tarefas quotidianas, à noite, mal o crepúsculo confere outras tonalidades à cidade, num inigualável entardecer dourado, os trinitários, com o seu passo vagaroso, acercam-se dela e entregam-se a tertúlias que apenas se esgotam quando o cansaço os vence, levando-os de volta às casas que mantêm as portas abertas até nelas se instalar um sono colectivo.

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