Fugas - Viagens

  • Sérgio Azenha
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Trinidad, a perolazinha cubana

— É uma casa de gente pobre mas é a casa de alguém que se sente feliz por recebê-lo. Bem-vindo.

Os minúsculos copos enchem-se de rum, a atmosfera fica repleta de vida, não obstante a luz desmaiada que pouco ou nada ilumina, como se a morte estivesse presente. A mesa, coberta com uma toalha de plástico, tem duas velas a iluminá-la, conferindo-lhe um ambiente romântico. A bebida aquece as almas e liberta as palavras. A um canto, um jornal com as folhas amarelecidas, uma edição especial dedicada a Che Guevara, muito antiga; ao lado, um pequeno caderno, os produtos da mercearia a que um cubano, por direito, tem acesso, antes da chegada em massa da economia de mercado. Um quilo disto, um litro daquilo, mais um quilo daquele outro, umas gramas para aqui, mais umas gramas para acolá, uma visão que, embora escondendo as manigâncias do mercado negro, envergonha o mais tímido dos consumistas desta Europa velha e envelhecida.

— Eles entram pelas casas das pessoas e perguntam: qual é o seu salário? O pobre, sem perceber o alcance da questão, responde, honestamente. E eles, insensíveis aos sacrifícios, ignorando o significado da palavra solidariedade, voltam a perguntar: e como é que, trazendo para casa esse dinheiro, tão pouco, consegue comprar um frigorífico? E, então, sem mais nem menos, carregam-no naquelas mãos sem calos.

O homem, com uma expressão bondosa, enche de novo o copo. Eu guardo a minha garrafa de rum, dentro de um saco, à espera do tempo certo que, em Cuba, nunca se sabe quando chega ou quando parte. A mulher regressa da cozinha, sempre sorridente, carregando uma travessa de moros e cristianos (receita típica cubana, composta de arroz e feijão, por vezes servida com banana frita), acompanhada de umas costeletas de porco. O marido, de ombros descaídos na diagonal, como alguém que, em diferentes dias, carrega mais peso num do que no outro, não se detém, sem piedade pelos políticos, sem esperança no futuro que é hoje.

— As vacas andam a pastar, os cubanos não podem comer carne de vaca, é para o leite, para as crianças. Da mesma forma que os paladares, os restaurantes particulares, não podem comercializar marisco, esse é um privilégio dos estabelecimentos estatais. Sabe, Trinidad foi a primeira cidade em Cuba a receber autorização para alugar casas particulares a turistas. Num certo sentido, Fidel Castro tem orgulho nesta cidade, basta olhar para os charutos que circulam por aí e que prestam homenagem a Trinidad. Mas, se é verdade que o turismo tem vindo a ser incrementado, não é menos certo que Trinidad tem um infindável número de casas particulares para alugar, o que gera inveja entre a população local.

A frase martela-me no cérebro. É da autoria de Che Guevara. "Se fôssemos capazes de nos unir, quão belo e próximo seria o futuro."

Ele, vivendo no presente, avança:

— Você não sabe, muitos turistas desconhecem, mas, tenham ou não clientes, os impostos têm de ser pagos pelos proprietários. E, se não tiver um único cliente, ao longo de um mês, como vai pagar duzentos dólares ao governo?

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