Fugas - Viagens

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A bela e o monstro no jardim de Java

Com o bilhete de entrada na mão e envolvidos, à cintura, por um sarongue– tecido largo, estampado e ornado a cores, de uso obrigatório em festividades locais ou templos religiosos, como era o caso – estávamos, por fim, defronte da imensa escadaria conducente ao majestoso templo piramidal.

Buda sob fogo cerrado

A adrenalina estava nos píncaros do êxtase, a visão era arrebatadora, agora que estávamos cara a cara com o motivo de tamanha demanda. Oculto nas profundezas da histórica e vetusta ilha de Java, o lugar sempre despertou mistérios vários. Segundo os historiadores, o nome Borobudur tem génese no sânscrito “Vihara Buda Uhr”, ou seja, o “mosteiro budista na montanha”, afastado da curiosidade humana por mais de oito séculos, sem que isso, no entanto, representasse um quotidiano pacífico. No decurso dos seus 1200 anos de existência – foi construído entre 750 e 850 -, o templo sofreu ataques ferozes das forças da natureza e, também, de mãos humanas. Durante o período de abandono que durou quase um milénio, tremores de terra e erupções vulcânicas desassossegaram o monumento e a selva javanesa reclamou o lugar à medida que as suas gigantes raízes penetravam no espaço, triturando incontáveis blocos de pedra vulcânica. Com a sua redescoberta, a fama cresceu exponencialmente, levando o rei Chulalongkorn do Sião a visitar o lugar, em 1896, de onde surripiou dúzias de esculturas e painéis com relevos, alguns expostos no museu nacional de Banguecoque. Mais recentemente, a 21 de Janeiro de 1985, as bombas dos oponentes a Suharto, que governou a Indonésia ao longo de 21 anos, explodiram nos níveis superiores de Borobudur, danificando nove pequenas stupas. Periodicamente, o hiperactivo vulcão Merapi, chamado de “monstro” pelos locais, atapeta de cinzas a bela Borobudur.

Chegara a altura de perscrutar segredos desta desmedida edificação religiosa. Para se alcançar o monumento é necessário ultrapassar um íngreme vão de escadas, cujo esforço, aliado às altas temperaturas que já se fazem sentir, colam a roupa ao corpo num ambiente humidamente abafadiço. Apesar de munido de livros da especialidade, solicitámos os préstimos de um guia oficial que se expressasse em português. Debalde. Indicaram-nos, porém, Suryon, um indígena fluente em castelhano mas carregado de forte sotaque bahasa. De sorriso fácil, todo ele era boa-disposição, dando mostras de conhecer a história do lugar como o caminho que, diariamente de motorizada, percorre entre a vizinha Magelang e o santuário budista.

“Sabe como aprendi espanhol?”, questionou, para deslindar em seguida: “Com os livros e pela Internet. Nunca tive um professor ou alguém que me ensinasse”.

Visivelmente satisfeito pelas virtudes autodidactas, Suryon encantou-se pelo significado do monumento, assumindo-se agora budista em terras de Alá. Pese a cantilena debitada provavelmente mais do que uma vez ao dia, os ensinamentos e a vida de Siddhartha Gaumata, ou Buda, tinham de ser partilhados com emoção. Era esse o motor da sua existência.

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