Fugas - Viagens

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A bela e o monstro no jardim de Java

Aninhada a noite e agregadas as derradeiras forças, o final do dia ficou entregue ao supérfluo, encorpado na rua Malioboro. Trata-se de um gigantesco bazar, com centenas de lojas de recordações e glamorosas boutiques de batik. Batik é uma forma de expressão artística que consiste em desenhar com cera quente sobre um tecido, com o resultado a ser obtido após sucessivos tingimentos e com tintas de diferentes cores. Este método tradicional sofreu pouquíssimas alterações nos últimos séculos, levando a UNESCO, em 2009, a considerá-lo herança cultural da Indonésia.

Montanha de fogo

O preço para ver o nascer do sol era convidativo – 20 dólares –, mas não sendo perceptível a montanha de fogo pela moldura da janela do meu quarto, previ que o dinheiro fosse mal empregue. O manto de nuvens que ocultava o vulcão Gunung Merapi era desencorajador, mas não o suficiente para nos manter à distância. Galih não foi connosco, mas providenciara um veículo de tracção integral, para nos conduzir o mais longe e, sobretudo, alto possível, ainda que, nesta época, não fosse permitido escalar até ao cone. As condições do terreno e atmosféricas complicavam-se à medida que nos abeirávamos do monstro de 2968 metros mais odiado pelos locais. E o caso não é para menos. Só nas últimas décadas, o Merapi entrou em erupção várias vezes. Em 2006 destruiu a parte Sul de Yogyakarta após causar um forte terramoto; em 2010 matou 353 pessoas e forçou a evacuação de outras 50 mil, valendo-lhe o justo epíteto de vulcão mais activo da Indonésia, país que acolhe outros 126 cones activos. Aliás, acredita-se que, no século XI, o antigo reino dos Mataram foi forçado a abandonar Borobudur devido à lava expelida pelo Merapi.

Viajamos ao som destas tétricas informações, provocando uma apreensão normal entre os convivas, atendendo a que o vulcão desperta, sensivelmente, de três em três anos, ou seja, podia ser a qualquer altura e sem aviso prévio. Parámos nas aldeias de Kaliedam e Kinahrejo, onde só resta a toponímia. Tudo o resto são tristes recordações, destroços da lava e lápides, recordando a luta inglória do ser humano contra a força da natureza. Nem escolas ou edifícios religiosos sobreviveram ao fogo da montanha.

Começa a chover de forma impiedosa. A temperatura cai a pique, arrastando o ânimo de quem pisa terra sofrida. Alguns, corajosos (loucos?) reergueram barracos, a que chamam de lar, nesta terra de ninguém. As placas de alerta são menosprezadas. A montanha de fogo está diante de nós, mas não se vê um metro que seja. Viramos-lhe costas e, ao longe, aninhada na selva profunda, a bela Borobudur sorri-nos resplandecente.

Dias volvidos, já acomodado no aparelho da Guaruda que me trazia de regresso a Portugal, entregam-me o Jakarta Post. Lê-se em parangonas: “Na região central de Java, o vulcão Merapi entrou em erupção, levando à evacuação de centenas de pessoas, com a nuvem de cinza a alcançar os 69 quilómetros da cratera”. Buda iluminou-me.

Guia prático

Como ir
A capital Jacarta é a porta principal de entrada na Indonésia para voos internacionais ou regionais, possibilitando ligações a barcos, autocarros ou comboios – esta última foi a minha opção para alcançar Yogyakarta. De Portugal, é mais prático partir de Lisboa com escala única no Dubai, pela Emirates Airlines. Em Jacarta existem várias companhias low cost que completam o percurso a preços bastante tentadores. As saídas do Porto são mais dispendiosas e obrigam, no mínimo, a efectuar duas escalas.

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