Fugas - Viagens

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A bela e o monstro no jardim de Java

O caminho ascendente tem uma razão de ser, como, aliás, tudo por aqui.

- “O templo é conhecido como um santuário mas também como local de peregrinação. A romaria enceta-se na base e termina no topo, onde se atinge o nirvana. O percurso representa a jornada do espírito do homem em busca da perfeição espiritual e paz superior.”

O 10.º nível, o do nirvana ou da iluminação, oferece uma prodigiosa visão periférica. A envolvência do local é magia pura, sitiado por uma desmedida mancha verde perene, maculado por uma fina camada de névoa, guindada dos arrozais e coqueirais, revelando a silhueta dos distantes vulcões. O lugar emana um misticismo especial apesar da horda de turistas, a contrastar com a solenidade da construção. Ao fundo, majestoso, o Merapi mantém-se faroleiro e sobranceiro a toda uma vasta área assinalada como o jardim de Java.

Extraterrestres na pirâmide

A atmosfera encantada parece arrebatada aos primórdios do mundo. Bem menos terrenas afiguram-se algumas explicações para a existência deste complexo projecto piramidal, designadamente se visto de cima. As imagens aéreas revelam uma gigantesca mandala budista, cuja palavra sânscrita significa círculo ou aquilo que circunda um centro. É uma representação geométrica da relação dinâmica entre o homem e o cosmos como um local espiritual de orações e meditação; no entanto, continua sem explicação científica a criação de um símbolo religioso tão entrelaçado que só pode ser visto do ar. De acordo com os teóricos dos Astronautas Antigos – defendem que seres ou criaturas extraterrestres visitaram a Terra há milénios e que as civilizações do passado interagiram, de alguma forma, com esse contacto - a resposta, nesta pirâmide, pode ser encontrada nas 72 estruturas com a formação de sinos pousados, conhecidos como stupas, abrigando cada uma uma estátua de Buda. Esta corrente acredita que as stupas são ovos ou úteros de transformação, ou escadas cósmicas para o paraíso.

- “Hello mister; hello mister”.

Vejo-me forçado a regressar à Terra por uma melodia riscada. Alço a cabeça que enterrara no guia de bolso e deparo-me com um alegre grupo de jovens, enfiados em uniformes escolares azuis-bebé. Fitam-me com a curiosidade de quem encontrou um extraterrestre, alto, alvo e com pêlos a forrar braços e pernas, contrariando os padrões autóctones. Sentimo-nos assaltados por simpáticos caçadores de imagens: queriam posar connosco com os cliques a serem disparados até à exaustão. Fotos em grupo, individuais, ora com elas ou só com eles. Instalara-se o festim. Não havia como resistir à hospitalidade desta gente, que é curiosa e aproveita o ensejo para desenferrujar um inglês precário. Fomos dando conta do recado, mas a descida do nirvana até à base redundou numa espécie de desfile de Buda por entre os seus seguidores.

Finalmente só, como um eremita na sua caverna. O dia ameaça enveredar pelo  trilho conducente ao ocaso. Sento-me num dos primeiros degraus da escadaria de acesso à alameda ajardinada antes de fechar a cortina sobre o monumento. Pouso os sentidos naquela obra de arte celestial, enaltecendo, mentalmente, o hercúleo trabalho de restauro promovido pela UNESCO, terminado há cerca de 30 anos (finais de 1983), após uma década a desmontar cada peça deste incomensurável puzzle de pedra. Relembro o génio de Mozart: “Para fazer uma obra de arte não basta ter talento; não basta ter força; é preciso também viver um grande amor”.

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