Fugas - Viagens

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A bela e o monstro no jardim de Java

Shiva, batik e becak

Desta vez Galih não se equivocou. De cabeleira farta e negra, rosto esférico e imberbe lá estava ele no lugar acordado. O ronco emanado pelo motor da pequena carrinha nipónica anunciava a segunda etapa: o conjunto de templos hindus de Prambanan, edificados no final do século IX e início do século X. Tal como Borobudur, os templos permaneceram abandonados e em ruínas até  recentemente, ainda que apresentem diferenças não só pela vocação religiosa que os fez surgir (os primeiros são hindus, o segundo é budista), mas também pela forma arquitectónica como essa vocação se expressa. No total são 244 edifícios dedicados a Trimurti, Deus tripartido em criador (Brahma), conservador (Vishnu) e destruidor (Shiva), as três forças essenciais do universo.

Constata-se, logo no átrio principal, por que razão é um dos maiores e mais belos templos hindus em todo o Sudeste Asiático. Extasio-me com o edifício central, o maior do complexo, com 47 metros de altura, dedicado a Shiva, o mais importante e interessante do triunvirato de templos, tal como manda a mitologia Hindu. As paredes dos templos assemelhavam-se a rendas de bilros na pedra, com destaque para as inúmeras representações da árvore da vida. Se em Borobudur reinam soberanas as imagens de Buda, nestes templos hinduístas, Brahma, Vishnu e Shiva são as três principais divindades do hinduísmo. Nota ainda para a escultura que adorna o templo vizinho, de Candi Nandi: um poderoso touro esculpido na pedra maciça e que representa Nandi, o “veículo” de Shiva.

O complexo religioso de Prambanan é arrebatador e merecedor de uma outra atenção. Imagino que seria o destino cultural de eleição de Java caso não vivesse na sombra da vizinha Borobudur. Ainda assim, parece haver espaço para a sã convivência que sempre pautou as relações entre budistas e hinduístas.

A menos de meia hora de estrada, um lugar bem mais mundano: Yogyakarta, a base ideal para explorar a região. Fatigados de tanto calcorrear – só em Borobudur, a peregrinação até ao nirvana consome cinco quilómetros de sola de borracha – refastelámo-nos numa colorida becak, o riquexó local de tracção humana e zero emissões de CO2. Os laranjas acastanhados agrupam-se no horizonte conjecturando uma rápida saída de cena do astro-rei, pelo que este era o meio mais rápido e, sobretudo, prático para uma incursão pela sede ancestral da cultura javanesa e capital cultural da Indonésia, onde as artes e as tradições são mais fortes. Aqui descubro um palácio de um sultão, o Kraton, que ainda hoje é habitado pelo último sucessor, preservando o título de príncipe da cidade. Ainda dentro do palácio, vou a tempo de assistir, de passagem, a um espectáculo  tradicional de música e teatro de sombras.

Não muito longe existe um edifício especial também pertencente ao sultão, o Taman Sari. É conhecido por castelo de água e foi construído por um arquitecto português. No final da obra foi executado para que apenas o sultão conhecesse o segredo de um quarto do... prazer. Apesar disso não subsistiram rancores, por, em 2004, a fundação Calouste Gulbenkian ter apoiado a sua reabilitação.

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