Fugas - Viagens

  • Diz-se que aqui, no país menos religioso do mundo, Deus é a natureza
    Diz-se que aqui, no país menos religioso do mundo, Deus é a natureza
  • Diz-se que aqui, no país menos religioso do mundo, Deus é a natureza
    Diz-se que aqui, no país menos religioso do mundo, Deus é a natureza
  • Na casa dos Heinvere, o termómetro avisa os 16 graus negativos que se fazem sentir lá fora, em noite de lua cheia
    Na casa dos Heinvere, o termómetro avisa os 16 graus negativos que se fazem sentir lá fora, em noite de lua cheia
  • Os milhares de canais de água foram os únicos lugares de paz durante os tempos de guerra e de ocupação da Estónia
    Os milhares de canais de água foram os únicos lugares de paz durante os tempos de guerra e de ocupação da Estónia
  • As casas na floresta são uma das opções de alojamento mais sui generis da Estónia
    As casas na floresta são uma das opções de alojamento mais sui generis da Estónia
  • Talin
    Talin

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Estónia: Este país é para estóicos

Os mais velhos, como Kalju Jõesaar, 55 anos, taxista reformado, provam-no com a pele: “Todos os anos mergulho no mar, desde que não esteja muito frio, o que quer dizer menos de - 7º C. A minha religião, como de todos os meus amigos, é a natureza. Nós acreditamos que se o homem fizer algo de bom receberá da natureza na mesma moeda.” Para os mais jovens, como Kai Raku, 29 anos, coordenadora de uma organização não-governamental centrada na integração social de minorias, é na floresta que se encontram as respostas do mundo. “Quando a vida te coloca questões com as quais não sabes lidar, caminhas, abraças uma árvore, falas com os campos e a magia acontece.”

Abandonamos Kooraste pela margem do rio Põltsamaa, à procura do Norte. Os milhares de canais de água foram os únicos lugares de paz durante os tempos de guerra e de ocupação da Estónia. Desde o século XIII até aos anos 1990, o território foi invadido pelos dinamarqueses, suecos, finlandeses, alemães e russos. Hoje, o país tende a olhar para o Ocidente – há dez anos, entrou na União Europeia e, em 2011, Talin foi Capital da Cultura. Tudo isto trouxe mudanças, como frisa Kai: “O facto de já não examinarem os nossos papéis nas fronteiras e lançarem um olhar inquiridor afectou imenso a nossa auto-estima.”

Na bomba de gasolina, pagamos a despesa em euros, mas o funcionário fala russo. A herança soviética é notória e os factos falam por si: cerca de 40% da população é russófona; no cinema, as legendas dividem-se entre o alfabeto latino e o cirílico; os cafés continuam a servir seljanka (sopa de carne originária da Sibéria) e a ouvir a Russkoe Radio.

Pontes e pantanais

“Não vão por aí. A ponte ruiu e o terreno é perigoso.” O aviso da criadora de cavalos, que entrançava o cabelo louro à soleira de uma porta sem sol, caiu no vazio. Como muitas casas e balouços gigantes voltados para o mar, também as pontes e passadiços dos pântanos de Endla hão-de fazer-se dessa madeira que vai envelhecendo com o mundo. Nada contra.

Vidoeiros de oito metros cobrem-nos de tal forma a cabeça que perdemos o paradeiro às nuvens pesadas e, à medida que avançamos, as botas impermeáveis afundam no terreno lamacento. Aqui e ali, os abetos vermelhos erguem-se solitários e, ao primeiro pé no trilho, surge o sinal de alerta: uns centímetros ao lado e transformamo-nos em presas desta terra que suga. Pântano adentro, o percurso é de sete quilómetros sobre tábuas de madeira, sem guias nem corrimões, com duas torres de observação pelo meio. 

Uma das maiores defesas utilizadas pelos estonianos contra o inimigo foi, desde sempre, saberem movimentar-se nos pântanos. “Só nós conhecemos estes terrenos e sabemos como andar neles. Conta-se que dois irmãos viveram dez anos no pântano, durante e após a II Guerra Mundial. Dormiam em covas, debaixo da terra, e comiam o que a natureza lhes dava”, relata Kristi Jüristo, 38 anos, consultora na área da educação. “Mas como se caminha num pântano?”, perguntamos. Contudo, não há resposta. Amanhã, o inimigo podemos ser nós.

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