Fugas - Viagens

  • A Depressão Danakil tem o “charme” de ser uma das mais inóspitas regiões do globo
    A Depressão Danakil tem o “charme” de ser uma das mais inóspitas regiões do globo Mark Panszky
  • Há poucos vulcões ainda em actividade: chegar à efervescente boca do Erta Vale é uma experiência inesquecível
    Há poucos vulcões ainda em actividade: chegar à efervescente boca do Erta Vale é uma experiência inesquecível Lucy Manderson
  • Há poucos vulcões ainda em actividade: chegar à efervescente boca do Erta Vale é uma experiência inesquecível
    Há poucos vulcões ainda em actividade: chegar à efervescente boca do Erta Vale é uma experiência inesquecível Rui Barbosa Batista
  • Cortar o sal
    Cortar o sal Rui Barbosa Batista
  • Cortar o sal
    Cortar o sal Rui Barbosa Batista
  • Cortar o sal
    Cortar o sal Rui Barbosa Batista
  • Sempre sob forte vigilância
    Sempre sob forte vigilância Mark Panszky
  • As crianças tratam das cabras, importante fonte de alimentação, pelo leite e pela carne. Antes dos 10 anos já são responsáveis pelo principal meio de subsistência da tribo
    As crianças tratam das cabras, importante fonte de alimentação, pelo leite e pela carne. Antes dos 10 anos já são responsáveis pelo principal meio de subsistência da tribo Rui Barbosa Batista

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Na Etiópia, um desafio extremo

Basicamente, um lugar quente, sujo. Sem acomodações “oficiais”. Esta povoação será das mais básicas onde já estive. Não há uma parede. Somente a ancestral arte de juntar paus (uma cabana fica por 10-15 euros por dia). O WC é onde calha. Simplesmente me aconselham a evitar cumprir necessidades básicas na área virada para a não muito distante fronteira com a Eritreia. “Com azar, pode levar um tiro”, avisam. De todo desnecessário desafiar a sorte.

Raros sinais de progresso. Sobram traços de penúria, não de resignação. Este povo é orgulhoso. E guerreiro. Só assim sobrevive neste inferno. Não há alternativa. Exploramos a aldeia. Socializamos com um jovem grupo nas bombas de captação de água. Todos somos estrelas. Nós e eles, curiosos.

Mais tarde, uma brisa agigantada traz-nos de volta ao acampamento base de Hamed Ela. Passamos a última hora a ver camelos, ao pôr do sol. Caravanas deles. Com os mesmos processos e rituais de uma era que antecede Cristo, num tempo em que o sal era moeda. Como sempre, carregam o “fruto” do inferno do Danakil para vender num povoado, na rota da civilização. O preço multiplica por 10 na primeira cidade, Makele.

Dizem-me que cada bloco de sal, de 6,5 quilos, é vendido a uns 40 cêntimos. Irrisório, para um dos trabalhos mais duros da humanidade.

Inevitavelmente, estes heróis afar pedem alguma coisa. Podem ser óculos de sol ou de ver, uma garrafa de água ou simplesmente dinheiro. Com camelos e pequenos burros como fiéis escudeiros, são os senhores deste mundo que raramente toca no nosso.
À medida que vão desaparecendo do olhar, misturam-se as formas em cores quentes no horizonte, montanhoso. O sol vai desmaiando. Os afar nem por isso. Jamais vergam.

Os astros começam a ganhar intensidade e já precisamos de luz do frontal para encontrar a aldeia. Espera-nos um chá. Seguido de pão, arroz e salada. E pequenos pedaços de cabra. A fome já merece ser saciada. Jantamos à luz de candeia. Hoje, com direito a vinho. Uma boa surpresa do casal francês.

Os 260 quilómetros da jornada em caminhos hostis deixam marcas no corpo. E mente. São 20h30 e já todos se deitaram. Estou num pequeno colchão, ao relento. Três dedos de espessura. Não vou ter outra cama nestas noites. Que não apareçam escorpiões ou cobras, mais habituais do que o desejado nestas paragens.

Tenho banda sonora privada (mp3). Agora, só eu e o céu. O firmamento presenteia-me com milhões de nítidas estrelas. E com a mesma brisa que, hoje, torna suportável este dengoso tormento.

Lago afrera

O tempo evapora-se, como tudo aqui. As cabanas moldam sombras que vão cedendo à vontade da cor. Lentamente, os tons ganham vida. Firmeza. Nitidez. Castanhos. Beges. Cinzentos. Pastel.

Quando um galo surpreende com o toque a despertar, já tenho uma dúzia de cabras a rondar-me. Saltitam em brincadeira madrugadora. A brisa que gelou a noite volta a ser mais serena. Não tarda, suspirarei por ela.

O plano inicial do trajecto é alterado, sem explicação. Em lugares ermos, cruzar-nos-emos com pastores nómadas. Afar errantes a incrível distância de “algo”. Que fibra.   Famílias inteiras sob meia dúzia de estacas e um plástico. Os todo-o-terreno passam e todos acenam, com a maior excitação.

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