Birgitta tinha-nos avisado dessa tranquilidade. Na viagem de eléctrico, antes de apanharmos o próximo ferry, tinha-nos dito. “Vamos conhecer duas ilhas do arquipélago Sul, habitadas por pouca gente, e onde não andam carros.” Pouco depois, o eléctrico enche-se de crianças com brinquedos de praia nas mãos. Birgitta mete conversa com uma professora de calções, alças do biquíni à mostra, pele branca a ficar rosada. “Estão de férias e vão para a piscina. Aqui os miúdos aprendem a nadar cedo, é obrigatório saberem nadar”, comenta.
Os ferries vão e voltam. Vrängö desaparece da nossa vista. Styrsö-Skäret aparece-nos à frente. À primeira vista não parece, mas esta ilha é maior do que Vrängö. Há mais gente, mais casas. Há homens de barba rija que passeiam os filhos em carrinhos de bebé. Há barcos, muito verde, crianças que brincam nos jardins, um lar de idosos, mais parques infantis. Muito verde e sossego que descansa os olhos. Aquele ar puro reconforta os pulmões. Do lado esquerdo, está uma pensão com vista para o mar. Era um antigo sanatório de crianças com tuberculose que entretanto foi remodelado e se transformou numa acolhedora guest house com 13 quartos decorados a dedo e com muito bom gosto, alguns com os suaves azuis do mar colados nas paredes. Entramos numa casa comnapperons em cima de móveis, chão de madeira antiga, papel nas paredes, uma velha máquina de costura, guardanapos de pano na mesa, cadeiras forradas com tecido do tempo das nossas avós. Cheira a casa. Há revistas e livros em vários compartimentos. E o cheiro que sai da cozinha confirma que ali se almoça muito bem. Uma sopa de cenoura de chorar por mais, peixe colocado no prato para as papilas gustativas baterem palmas de contentes. E reparamos, assim como quem não quer a coisa, que o laranja do salmão é lindo de morrer.
O peixe tem uma igreja
Gotemburgo orgulha-se da sua comida e tem razões de sobra para se gabar do que coloca à mesa. Os guias turísticos revelam que a cidade tem quatro restaurantes com uma estrela Michelin. Não os conhecemos, mas o que nos põem nos pratos é de comer e chorar por mais. Tão cedo não esqueceremos aqueles peixes, aqueles intensos sabores, aqueles pratos em que nada está fora do sítio.
O edifício gótico construído em 1873 assemelha-se a uma igreja e não demorou a receber um baptismo — já dissemos que os suecos em Gotemburgo não perdoam. É um mercado de peixe e marisco conhecido como a igreja do peixe. Fica-lhe bem o nome e faz jus ao que os olhos por ali encontram. Grande variedade de peixe e marisco que parecem ter saltado directamente dos barcos para as bancas cuidadosamente decoradas com tantos produtos do mar. O mercado não é grande: um corredor e bancas de um lado e de outro, um cheiro a mar. Não há pregões no ar. A qualidade fala por si.
No piso de cima da igreja do peixe, com vista para os vendedores, fica o Restaurante Gabriel, pai e filho — contam-nos que o filho detém o recorde do mundo a abrir trufas em menos tempo — tomam conta daquele espaço onde é preciso chegar cedo para arranjar lugar. Sobe-se as escadas e o cartão-de-visita não podia ser melhor: uma mesa com uma amostra da variedade de peixe que pode ser confeccionado e que parece que ali foi colocado há minutos. A sopa de peixe, servida num boião de vidro, tem uma consistência fora do comum — como se fosse e não fosse preciso mastigar, é complicado explicar o que aquela sopa provoca a quem a prova. Uma experiência gastronómica no melhor sentido da palavra. Como o peixe que há-de vir no prato com batatinhas a acompanhar.