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  • A arte da Ilha do Descanso
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  • Colónia do Sacramento, no Uruguai
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Tigre, a cidade líquida do delta do Paraná

Chegados até aqui, importa agora detalhar o que é o Tigre. A cidade — o nome deriva de nela terem habitado tigres e jaguares de verdade — rodeou-se de água quando as cheias das primeiras décadas do século XIX treparam as margens e formaram a sua actual silhueta. Nesta cidade líquida e tentacular, foram-se radicando os apaixonados como Sarmiento, os desagradados com o polvo da grande cidade de Buenos Aires, a classe média em demanda de segurança, jardins, arquitectura, desportos náuticos, enfim, condomínios fechados, mas sem armaria. Rapidamente, nos últimos anos, a cidade foi crescendo como destino de fim-de-semana ou como local de residência e nela habitam cerca de 100 mil pessoas (embora os censos de 2001 refiram somente a existência oficial de cerca de 30 mil residentes).

Para simplificar, digamos que há dois tipos de habitantes nesta cidade: os “bonaerenses” vivem na cidade de Tigre (ou nos empreendimentos de construção mais recente, na sua periferia) e os isleños moram nas ilhas ou nos canais dos vários rios que correm num amplexo. É importante explicar que o Tigre se situa ainda no perímetro do que se convencionou chamar grande Buenos Aires (a cerca de 30 quilómetros do terceiro maior aglomerado habitacional da América do Sul); que é facilmente acessível de automóvel, barco ou comboio (o Tren de la Costa parte da estação central de Retiro) e que, simplesmente, é uma aprazível opção de vida.

Por isso, há quem habite nas suas casas de madeira, suspensas em palafitas — com o rio defronte — e há quem viva nos iluminados empreendimentos de “piedra e ladrillos”, que Sarmiento pretendia inibir por perto, mas dos quais se avista o delta. Para os primeiros, há todo o tipo de serviços fluviais, que mais instantaneamente se associam a cidades asiáticas e a modos de vida flutuantes, de quem reside em embarcações.

A estranheza é só inicial e aparente. A cidade organizou-se em função da sua mobilidade fluvial: as embarcações vão para lá e vêm para cá, com o mesmo esmero e azáfama de um camião a caminho das descargas algures numa cidade rodoviária, a ambulância oscila nas águas, suspensa de qualquer urgência como o barco dos bombeiros, os moradores cruzam os canais e desinquietam as águas imóveis da citação de Borges. Há, inclusive, transporte fluvial para a missa dominical, táxis ou outros transportes colectivos ou, obviamente, recolha de lixo por via fluvial. As casas, muitas delas assentes em pilares, como andas que as privam da revolta do rio, têm ancoradouros à ilharga. As construções que repousam em palafitas são a forma mais eficaz e prudente de precaver as consequências das cheias irreprimíveis.

Para os outros, para os turistas nacionais e para todos aqueles que o investimento imobiliário atraiu até ali, mas que não se debruçaram sobre as “águas imóveis”, há uma concorrida marina e um valente corredor de hangares onde as embarcações são cuidadas como múmias valiosas em museu e onde hibernam em prateleiras à espera do sol e da subida da temperatura das águas.

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