Fugas - Viagens

  • A arte da Ilha do Descanso
    A arte da Ilha do Descanso
  • Colónia do Sacramento, no Uruguai
    Colónia do Sacramento, no Uruguai

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Tigre, a cidade líquida do delta do Paraná

Nas ruas, os arbolitos cantam: “Câmbio, câmbio câmbio, dólar, euro, real”. Apesar de ser ilegal, estes homens percorrem as ruas mais comerciais da cidade a propor a troca de moeda, uma actividade proibida, aparentemente tolerada para benefícios de todos, dos locais e dos turistas. Os arbolitos, que compram e vendem moeda estrangeira por um preço superior ao câmbio oficial, chamam-se assim porque se assemelham a árvores paradas no passeio. Ainda por cima de folhas tão verdes como os dólares.

A designação popularizou-se de tal forma que, na gíria, já existem agências de viagens arbolitos ou quiosques arbolitos. Eles são o resultado atávico das limitações impostas pelo Governo argentino à compra e venda de divisas estrangeiras com o argumento de que se trata de uma medida para evitar a fuga de capitais. De resto, quem quiser comprar dólares, por exemplo, tem que justificar que o pode fazer com o seu salário.

À porta do Pacífico, um dos principais centros comerciais de Buenos Aires, um edifício do final do século XIX, a cantilena sucede-se. Lá dentro, naquele que foi o primeiro edifício da cidade a ser construído, propositadamente, como galeria comercial, é possível encontrar as marcas suspeitas do costume, a maioria de designação europeia e fabrico alhures. Lá fora, os arbolitos continuam a apregoar, ao frio de Agosto, como num leilão, arrastando-se para aquecer os pés e o corpo: “Dólar, euro, real”.

Atraídos pela proximidade, pelas compras e pelo tango, e procurados pelos arbolitos, os turistas brasileiros reproduzem-se e são a principal nacionalidade nas ruas de Buenos Aires. Embora bastante popular entre os argentinos, o delta do Paraná é um destino praticamente desconhecido fora do país, explica Gladis Bleiva, guia de viagens, que dá uma justificação para que assim seja: “A Argentina investe pouco na divulgação turística do delta do Paraná, porque quase todo o investimento está concentrado na promoção da cidade de Buenos Aires. Com excepção do Brasil e dos brasileiros. Nas margens do delta, o Parque Lyfe (sic) – Luz y Fuerza, da Federação Argentina dos Trabalhadores, convive com o anúncio de que ao lado se dança o samba.

... e as caturras

Mas o que mais entusiasma os turistas brasileiros (e não só) é a pasión tanguera — o cliché número um da cidade — em clubes com o Señor Tango. Numa sala que imita o figurino de um teatro, mas com o palco a meio, o cantor Fernando Soler, e proprietário do clube, abre o programa nocturno com uma actuação num descomunal ecrã. Nem sempre Soler surge em palco de carne e osso, de cabelo abrilhantado, com o seu bigode de Mandrake e os dotes vocais de galã. Pelo palco, na maioria das noites, passam coreografias sobre gaúchos, cavalos amestrados ou evocações de batalhas históricas. À meia-luz, a “liviana melodia” de que Borges, sempre ele, falava num dos seus poemas sobre o tango, tem como acompanhamento o tradicional “bife chouriço”.

À semelhança desta sala, os outros clubes do género, como o Esquina Carlos Gardel, onde supostamente o músico se reunia há um século com os seus amigos, ou o Roja Tango, com toques de Philip Starck, também combinam orquestra e dança com restaurante e carne grelhada. A atmosfera é de music hall, com tiques evocativos de cabaret, e os instrumentistas são de óbvia excelência.

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