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  • A arte da Ilha do Descanso
    A arte da Ilha do Descanso
  • Colónia do Sacramento, no Uruguai
    Colónia do Sacramento, no Uruguai

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Tigre, a cidade líquida do delta do Paraná

Só músicos argentinos conseguiriam combinar com esta maestria contrabaixo, violoncelo, violino, piano e acordeão, na reprodução ecléctica de clássicos de Gardel ou Milanés ou do reportório do tango mais recente. Claro que, a pedido de várias famílias, o espectáculo, pelo menos aqui no Señor Tango, termina com o cliché número dois de Buenos Aires: o de Evita e o de No Llores por mi Argentina, do musical de Andrew Lloyd Webber, para gáudio da pasión tanguera. Nestas coisas, quando não cantam as caturras, os clichés cantam mais alto e ficam com um lágrima no canto do olho.

Clichés à parte, importa frisar, como o fez Paul Theroux em O Velho Expresso da Patagónia, numa das suas passagens pela cidade, que Buenos Aires é um “formigueiro muito civilizado”. E charmoso: com a elegante arquitectura do velho mundo e a vanidade do novo mundo. Com referências francesas na sua Baixa, influências alemãs no seu parque industrial ou a inapagável presença italiana no seu porto. Ou as influências inglesas no Tigre e no delta, com toques Tudor e outros vitorianos.

Em suma, voltando ao delta, foram-se os ingleses, os tigres e os jaguares. Vieram os porteños, os brasileiros, os arbolitos e as caturras. Oriundas da longínqua Austrália, estas aves, pequenos papagaios verdes, instalaram-se nas palmeiras das ilhas do delta do Paraná e o seu canto abraçou os braços dos rios. E ainda bem. Aqui, sem samba, sem tango, não seria desejável outra orquestra.

O canto das caturras na Ilha do Descanso

Numa das margens do rio Sarmiento, numa das suas ilhas imprevisíveis, Claudio Stamato reuniu poesia, arte e beleza natural com uma intenção muito clara: criar a Ilha do Descanso. Isso mesmo, assim com maiúsculas. O que o empresário argentino pretendeu foi exaltar o que classificou como as principais qualidades humanas, distribuindo-as por um espaço onde a natureza se exalta tranquilamente. Mais: povoou a ilha de obras de arte de vários artistas e de referências a uma espiritualidade ecuménica. O nome das pontes do Anjo, do Amor, do Agradecimento ou da Paz querem dizer alguma coisa?

O resultado é o pretendido: é impossível recusar-lhe a designação de Ilha do Descanso devido a esta mistura de minimalismo, de atmosfera oriental e de arte contemporânea. Stamato, braço direito de Caros Blaquier, um dos homens mais ricos do país, conhecido por ser o proprietário da empresa agroindustrial Ledesma, necessitou de 20 anos para atingir este estado de “descanso”, esta variação contemporânea de um quadro de Monet. De quando em vez, o zumbido de um motor — é  possível atracar na propriedade, seja através de uma ligação fluvial a partir do Tigre, seja desde Puerto Madero, em Buenos Aires, que dista uma hora daqui — movimenta a corrente do rio e faz-se escutar por entre o canto persistente das caturras verdes, ausentes dos quadros do impressionista francês.

Nesta ilha, o que nos é proposto é uma dupla experiência: a do passeio entre os “ceibos do pântano”, a árvore nacional do país, as orquídeas, os papiros ou os lírios e a contemplação da arte contemporânea com a assinatura de Bastón Diaz, Vivianne Duchini, Carlos Gallardo, José Fioravanti, Pablo Reinoso ou Antonio Casanova. Mas, sobretudo, Diaz e Gallardo. O primeiro tem aqui uma série de trabalhos inspirados pelos seus antepassados, que emigraram de Espanha, e cujas peças remetem para a navegação marítima, as embarcações e a eventualidade de um regresso à origem. Na Ilha do Descanso, Gallardo colocou uma instalação na qual reproduz uma série de suportes de pautas musicais com relva no lugar de partituras, perante uma orquestra ausente (há uma réplica à porta do Teatro Colón, em Buenos Aires, chamada “A Orquestra II”).

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