Fugas - Viagens

  • FOTOS: HANS LOZZA

O parque que recusa a mão do homem

Por Sousa Ribeiro

Criado há cem anos, o Parque Nacional Suíço é o segundo mais antigo em toda a Europa. Uma aposta cada vez maior na vertente científica e menor no turismo de massas.

Hans Lozza está na direcção do parque há menos de 20 anos mas a sua existência mais parece ter-se limitado, desde sempre, a esta área onde a natureza se expressa de forma tão arrebatadora, um recanto de um país que apresenta a mais alta taxa de reciclagem de lixo a nível mundial (superior a 50%) e que, sem qualquer surpresa, figura em primeiro lugar no Índice de Performance Ambiental da Universidade de Yale, que estuda os indicadores ecológicos de 178 países.

- Recordo-me de, em criança, muitas vezes ficar surpreendido com o número de árvores tombadas.

A frase de Hans Lozza define, logo à partida, a verdadeira essência daquele que é o segundo mais antigo parque nacional da Europa (a Suécia foi pioneira, em 1909), aberto desde o longínquo primeiro de Agosto de 1914: manter simples as coisas simples e permitir que a natureza execute o seu trabalho, de tal forma que, em 1951, deflagrou um incêndio na área protegida e não se registou qualquer intervenção humana no sentido de controlar o avanço das chamas.

Fritz e Paul Sarasin, Carl Schrötter e Steivan Brunis, este último natural de Engadine e primeiro director do parque, foram os pais fundadores, materializando uma ideia que começou a ser amadurecida dez anos antes, quando Fritz Bühlmann, membro do parlamento, manifestou o desejo de ser criada uma reserva de dimensões apreciáveis. Estudos efectuados por uma equipa de investigação revelaram que, sendo um lugar remoto, com abundante flora e fauna, o pano de fundo em redor do Pass dal Fuorn (Fuorn é uma palavra romanche que significa forno, uma alusão aos muitos que existiam nesta região e destinados a queimar cal) seria o ideal. Menos de cinco anos depois, os pioneiros na preservação da natureza receberam luz verde do município de Zernez para, através de um empréstimo por um período de 25 anos, colocar em prática a ideia de zelar por um espaço, em pleno Vale de Cluozza, onde a natureza pudesse desenvolver-se sem ser perturbada pela acção do homem. De forma a garantir o pagamento do aluguer, o grupo fundou a Sociedade Suíça para a Protecção da Natureza, actualmente designada Pro Natura, realizando um trabalho que facilmente impressionou o comité parlamentar que, deslocando-se propositadamente desde Berna, a capital, em 1913, viu no vale enorme potencial para a criação do primeiro parque nos Alpes, tornada oficial logo no ano seguinte.

Antes ainda de chegar a Zerzen, a manhã encontrou-me em Guarda, a mais de 1600 metros de altitude, com as suas casas recortando-se contra as montanhas imponentes, as flores caindo dos vasos das fachadas grafitadas desde a primeira metade do século XVII, as ruas empedradas tão impregnadas de silêncio e de uma quietude que me faz sonhar. Guarda, com não mais nem menos do que 167 habitantes, é a aldeia de Schellenursli, protagonista do primeiro livro infantil (da autoria de Selina Chönz) do famoso pintor suíço Alois Carigiet, que se inspirou numa casa deste pequeno povoado para desenhar a que dá abrigo ao ainda mais pequeno herói Ursli, no qual se continuam a rever muitas das crianças em Engadine, fiéis a uma das mais antigas tradições da região: numa visita a casa do tio Gian, na companhia de outros meninos, Ursli dá-se conta de que tem entre mãos o sino de vaca mais pequeno e, apostado em não se tornar o alvo da chacota entre os habitantes locais, decide caminhar até à cabana de Verão da sua família, onde chega após uma noite preenchida por todos os medos. Uma vez de volta ao lugarejo, Ursli carrega o sino maior de todos, o que lhe concede o direito a liderar a procissão do primeiro dia de Março, a data em que, ao som das badaladas, se expulsa o Inverno e se dá as boas-vindas à Primavera, como ainda hoje se festeja ao longo das ruelas e vielas tantas vezes solitárias destas aldeias que por vezes nos parecem olhar com uma expressão ausente.

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