Foi mais pela concentração das terras, pela exploração dos trabalhadores e pelo poder dos fazendeiros do que pela inclemência do clima que nos anos 1930 migraram para São Paulo as personagens de Jorge Amado. Tudo isso se mantém, embora tudo isso tenha sido atenuado, até por acção do programa Bolsa Família (rendimento mínimo atribuído a agregados em situação de extrema pobreza, desde que as crianças tenham as vacinas em dia e não faltem às aulas) e de projectos de desenvolvimento agro-pecuário como aquele em que participavam as “aventureiras”.
Genipapeiro, o sítio no qual as cinco mulheres emprestaram a força dos braços, é uma rua, com uma igreja e uma pré-escola e pouca mais de duas dezenas de casas térreas, algumas sem água canalizada. As famílias têm uma nesga de terra na qual construíram a casa e pouco ou nada mais.
Há uns 20 anos – através da Kindernothilfe (KNH), uma agência de desenvolvimento alemã que se socorre de dinheiros da Alemanha e da União Europeia —, a ACOM conseguiu comprar 10 hectares de terreno em 12 comunidades. Em todas ajudou a formar uma associação de pequenos agricultores. Houve formação, ergueram-se infra-estruturas básicas, adquiriu-se material para produção agro-pecuária.
“Tem comunidade dessa que está totalmente desabitada”, admitiu Lucy Alexandre Lima, da direcção da ACOM. “Cada projecto envolveu 15 famílias, mas as pessoas não podiam esperar. Para sobreviver, tiveram de migrar. Algumas comunidades não têm água nem para consumo humano. Consomem água de cisternas de plástico.” Vendeu-se o terreno nas que se esvaziaram e reinvestiu-se noutras.
Genipapeiro, o “nosso” sítio, também perdeu gente. “Muito chefe de família emigrou”, corrobora Toquinha, a velha presidente da Associação Comunitária dos Pequenos Agricultores. “Teve muita seca. Ficou triste isso aqui – 2011, 2012, 2013. Começou a chover em Janeiro de 2014. Não foi o suficiente. Quando há Inverno mesmo, isso não é seco não”, disse, apontando o leito de um ribeiro.
“Seca é triste”, interrompeu-a Maria Fernanda Félix da Silva, sem deixar de dar de mamar ao filho mais novo, que dali a dias completaria um ano. “Nem tem erva, nem tem pasto, até o ânimo para trabalhar é pouco. A gente só escuta: morreu a vaca de fulano, morreu a mula de sicrano.”
“A gente nunca desistiu de tudo”, retomou Toquinha, mulher magra, pequena, de cabelos brancos, tão empenhada na horta comunitária como na igreja. “A manutenção das famílias sempre a gente teve – coentro, cebolinha, alface. Estamos plantando com a vontade de Deus. Quem sabe Ele não dá a nós produção que dê para comprar uma mula. A gente teve uma. Ela morreu.…”
Recorrendo a “aventuras solidárias”, a AMI está a financiar o projecto de desenvolvimento agro-pecuário do sítio, que já envolveu a compra e a colocação de uma cerca, a perfuração de um poço profundo, a aquisição de dois reservatórios de água, a montagem de um sistema de irrigação, a distribuição de água ao domicílio. Não por acaso, foi ali que as cinco “aventureiras” aprenderam a diferença entre enxada, enxadeco e cavadeira. Puderam não só ver para aonde foi o donativo que fizeram mas também trabalhar um bocadinho no projecto. Durante duas manhãs estiveram a abrir buracos para plantar beringelas e pimentões.