Fugas - Viagens

  • Luís Pedro Duarte
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Continuação: página 5 de 8

Pelo Ceará numa 'aventura solidária' de espantos

Aquilo era só o recomeço. A associação tem 22 membros e cada um será responsável por um talhão. Não quer isto dizer que o que cada um colher será só seu. Uma parte (60%) será distribuída por todos, a outra parte (40%) será vendida nas feiras locais, revertendo o apuro para um fundo comum.

Não é uma revolução. É uma forma de ajudar a diversificar uma alimentação demasiado baseada no milho e no feijão, como diz Fernanda, que só há pouco se inscreveu na associação. Antes da seca, a bela mulher de 26 anos, um filho de um ano, outro de nove, morou fora. “Eu morei quatro anos em Minas Gerais. Eu queria construir a minha casa e só tinha trabalho lá.”

O marido trabalha numa loja de móveis. A horta comunitária e a Bolsa Família podem ser o suficiente para a família se aguentar. Fernanda não quer migrar outra vez. Gosta de morar em Genipapero. Basta-lhe ir umas horas ao centro de Milagres para ficar com dores de cabeça. Vai pouco. “Uma vez por mês, Bolsa Família. Nalgum caso de doença que aqui não resolve, também vou lá.” Só tem palavras de agradecimento para quem quer que ajude a tornar a vida ali menos impossível.

“A gente vê chegar pessoas de fora. E essas pessoas vêm para trabalhar, para pegar no pesado, para ver como é o trabalho da gente”, comentou Antónia, tentado explicar-me por que lhe agrada tanto ver chegar “aventureiros”. “Essas pessoas ajudam a ACOM e, ajudando a ACOM, ajudam muitas mulheres e muitas crianças.” Os três filhos dela estudaram na associação, que, além de oito projectos de desenvolvimento agro-pecuário, tem unidade de saúde comunitária, educação infantil, ocupação de tempos livres (desporto, música, teatro, apoio escolar) e cursos profissionalizantes.

Não é só o trabalho. É também o convívio – nas tarde, quando o sol convida ao resguardo, mas também nas noites em que “aventureiros” se misturam com a população para ouvir cantoria ou dançar samba, forró ou pagode. “A gente aprende muito. Historias, piadas, tudo fica na mente da gente. Eu converso com você, eu chego a casa, eu deito na cama e eu vou contar para Francisquinho quem é você, como é. Vou dizer que é alegre, que é simpática, que faz isto, que faz aquilo.”

E isso é uma espécie de viagem para quem nunca foi mais longe do que Juazeiro do Norte. E também tem os seus “espantos”.

 

"Querem ter uma aventura em ambiente controlado"

A primeira coisa que vimos ao sair do centro de formação que nos serviu de casa foi o armazém de tijolo por revestir. Saltámos a cerca de arame farpado e vimos Miguel Figueiredo, sentado no alpendre, a olhar o gado. Nada protegia a sua enorme barriga. Usava apenas uns calções, um chapéu e umas sandálias.

“De boniteza e de vaidade, 68 anos”, apresentou-se o homem, alegre por ver chegar gente nova – dois membros da Assistência Médica Internacional/AMI e seis mulheres, todas com vontade de começar a explorar uma nesga do Nordeste do Brasil, uma das três maiores áreas semiáridas da América do Sul.

Conhece bem as potencialidades do Sertão. E, de sorriso sempre posto, tratou de satisfazer a curiosidade alheia. O filho mais novo, Wesley, nem o ouviu, ocupado que estava com o “Pirata”, o cavalo branco, cego de um olho, que usa na “vaquejada” – vaqueiros perseguem bois a cavalo, conduzem-nos até uma área limitada por faixas de cal e derrubam-nos, puxando-lhes pelo rabo.

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