Tínhamos chegado muito cedo à Varjota, sítio rural, desertificado, que, assim, de repente, nos parecia o paraíso dos besouros. A “nossa” casa tinha a forma de um “u” e um alpendre que ia de uma ponta à outra e o chão dele estava polvilhado desses pequenos insectos. De onde diabo vinham tantos?
Havia tempo para estar na conversa com o vizinho e, sobretudo, com o grupo. A primeira manhã era de descanso e a primeira tarde seria de festa de boas-vindas na sede do parceiro local da AMI, a Associação Comunitária do Município de Milagres (ACOM), fundada em 1983 por um grupo de mulheres que precisavam de um sítio para deixar os filhos, agora o “gigante” local do terceiro sector.
Acomodaram-se três mulheres numa camarata e outras três noutra. Depressa se partilhava haveres, como as amigas costumam fazer. Só duas se conheciam, na verdade, e essas não se viam há muito: Eda Garcês, de 20 anos, e Soraia Matias, de 21, foram colegas no secundário, uma estuda Psicologia, e está de malas aviadas para Medicina, e a outra é auxiliar de acção médica.
“As pessoas vêm porque são solidárias e porque querem fazer uma viagem diferente”, resumiu Francisca Nemésio, a chefe de missão da AMI, a quem cabia zelar pelo bem-estar do grupo. “As pessoas querem ter uma aventura num ambiente controlado. E a intensidade do que vivem – em grupo e com a comunidade — é forte. Num instante, criam laços que duram para lá da viagem.”
Francisca disse aquilo a pensar em pessoas que embarcaram nalguma “aventura” para o Brasil, para o Senegal ou para a Guiné-Bissau. Falou com algumas — primeiro como “aventureira”, depois como membro da AMI – e tem acesso ao inquérito que muitas preencheram. E eu pude confirmá-lo nas conversas que fui tendo, após as manhãs de trabalho, nas tardes ou nas noites de lazer.
“Queria viajar mas não queria aquele conceito do resort, do contexto modificado”, contou Zélia Ferreira, uma enfermeira, de 32 anos, com muita vontade de viajar. “O meu objectivo era fazer a diferença na vida de alguém que precisasse”, disse, por sua vez, Soraia Matias. Já fizera voluntariado em Portugal, mas queria “trabalhar com pessoas de outras culturas, com outras experiências”.
Costumam ser mais pessoas. A “aventura solidária” da AMI no Brasil não atrai tanta gente como a do Senegal ou a da Guiné-Bissau. Francisca tem algumas teorias sobre o assunto. Desconfia que isso está muito relacionado com a associação mental que há entre África e a pobreza severa, a necessidade extrema, a emergência social. O Brasil é uma das cinco grandes economias emergentes. Perde força a ideia de que ali qualquer ajuda é necessária. E na Guiné-Bissau ou no interior do Senegal também é mais difícil viajar sem rede. “O Brasil é bem mais acessível”, sintetiza. Sobram pacotes turísticos.
A enfermeira Patrícia Martins, de 29 anos, “nem queria acreditar” quando lhe disseram que, por causa do surto de ébola, tinha sido cancelada a viagem à Guiné-Bissau. “E agora? O que é que eu faço?” Estudou enfermagem a pensar em África. Fez voluntariado um ano e meio em Lichinga, na província de Niassa, no nordeste de Moçambique. Trabalhou meio ano em Malanje, no Norte de Angola.