Volvidos 136 anos, já não há mercadorias e entrar e a sair destes armazéns, mas estes, parte integrante do complexo ferroviário do peso da Régua, estão de cara lavada. Tudo começou em 2008, com a abertura de uma parte dos armazéns, cerca de 205 metros quadrados, como restaurante — Castas e Pratos, CP de acrónimo, inevitável homenagem às origens ferroviárias do espaço. Foi, aventa Manuel Osório, um dos proprietários (o outro é Edgar Gouveia), uma alavanca para a recuperação total do espaço: a autarquia avançou com projecto de requalificação, estabeleceu um contrato de concessão com a Refer, e as obras estão concluídas — falta o protocolo que vai regular a ocupação comercial do espaço.
E se antes, conta Manuel Osório, o CP até poderia passar despercebido no meio do volume abandonado — “muitas pessoas nem reparavam” — agora é quase impossível. Porque uma coisa é certa, é quase inevitável passar pelo armazém numa incursão pelo Peso da Régua, a porta de entrada para o Alto Douro Vinhateiro, e não é necessário chegar de comboio, que continua a ligar o Porto a estas paragens pela Linha do Douro. Na estrada nacional, bem diante do rio, a localização é imperdível — e há uma pequena esplanada à porta para quem quiser ficar a ver o Douro correr do outro lado da marginal.
Mas se há local onde o CP respira ferrovia é na esplanada das traseiras: os carris estão diante de nós, a estação, branca, ao lado, e nós estamos num antigo vagão de transporte de carvão. “Queremos cheiro a comboio”, assume Manuel Osório, “é uma história que queremos manter”. É uma ligação umbilical, intrínseca do CP ao universo ferroviário, que aconteceu mesmo antes de ele existir. Porque tudo começou com o espaço. Manuel Osório e o sócio, naturais da zona, deixaram-se cativar pela “beleza fantástica” do antigo armazém, que estava abandonado há mais de 20 anos, e viram nele um “potencial de negócio incrível”. Quando surgiu a ideia de ocupar o edifício, “notoriamente subvalorizado”, o conceito não estava definido, mas o objectivo sempre foi claro. “Queríamos promover o que é nosso junto daqueles que nos visitam”, explica Manuel. E o “nosso” nestas paragens são as paisagens e os produtos, “vinhos e azeites no top”.
O negócio original começou, então, por ser algo à volta das tapas — e de um grande balcão, à moda espanhola. Manuel Osório tem dificuldade em recordar-se porque a ideia rapidamente evoluiu para a que acabou por concretizar-se — algo “mais versátil”. Em 2008 estávamos a entrar na crise, sublinha, e então havia que potenciar recursos. O três-em-um ganhou: garrafeira, bar de tapas e restaurante. Assim nasceu, assim se mantém o CP — “também fomos felizes na escolha do nome”. “Tivemos muito cuidado, muitas horas para pensá-lo, porque o projecto esteve parado algum tempo por causa da burocracia”, ironiza Manuel. E o nome resume tudo ao que vamos: “comer Douro, beber Douro”. Ou seja, as Castas vêm da vasta lista de vinhos aqui apresentados, com o Douro a dominar; os Pratos são da região duriense: “apesar de a nossa região não ser muito rica gastronomicamente, tem produtos bons” — a base é tradicional, o toque de modernidade é adorno (“mais do que moderno é típico”), tudo servido pelo chef Tiago Moutinho, que aqui está desde o início.