Fugas - Viagens

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O meu reino por um livro

Talvez porque os lugares, quando partimos, já não são os mesmos quando regressamos.

- Mas continuo a ir a Hay e sinto, como os meus amigos que me acompanham, um prazer renovado sempre que percorro as suas ruas e frequento as suas lojas de livros antigos. Adoro o cheiro. Ler é um refúgio, a melhor forma de aprendizagem e de desenvolver a paciência e o conhecimento.

 

O rei excêntrico

- Um livro novo é para o ego, um livro usado é para o intelecto.

Palavras fortes, proferidas por um rei, Richard Booth, que, descontente com o rumo da política, se autoproclamou, no primeiro dia de Abril de 1977, soberano do reino de Hay-on-Wye. Patricia Daly há muito que ouvira falar dele, nem sempre pelas melhores razões.

- Nasci numa pequena aldeia, em Lyonshall, mas cresci em Presteign, a umas 23 milhas de Hay. Recordo-me de ir ao cinema, no Cinema Bookshop, então propriedade de Richard Booth, um espaço fascinante, porque em toda a minha vida nunca havia visto uma loja de livros usados tão grande — e nesse tempo não existiam muitas em Hay. Ouvi, já mais tarde, rumores sobre a comunidade hippie de Hay, que incluía Richard, e que eram, na sua maior parte, apócrifos, entre eles o uso de drogas que conduziam a orgias e que tanto horror causaram na comunidade essencialmente agrícola e da religião Baptist em que cresci.

Richard Booth nasceu em 1938 (completa 77 anos em Setembro), em Hay, estudou em Oxford e em 1961, com apenas 23 anos, abriu a primeira loja de livros usados, num antigo posto de bombeiros, na vila situada na fronteira entre Gales e a Inglaterra. Ele e um grupo de homens fortes, todos de Hay, rumaram aos Estados Unidos numa época em que muitas livrarias, com sérios problemas económicos, estavam a fechar e, uma vez regressado a Gales, já na companhia de contentores carregados de livros, transformaram Hay na primeira booktown do mundo.

- Conheci Richard Booth quando ele ainda sentia os efeitos do jet-lag após uma viagem cansativa aos Estados Unidos. Eu andava à procura de emprego. A todas as perguntas que ele colocava sobre a minha experiência em diferentes áreas eu respondia negativamente. E ele ia dizendo “bom”. Numa qualquer entrevista convencional para um emprego eu teria falhado miseravelmente. Mas ele pediu-me para começar a trabalhar logo na segunda-feira imediata.

Desde então, Patricia Daly sempre colaborou com Richard Booth, nas suas campanhas para a eleição a um cargo político (candidato pelo Partido Trabalhista às legislativas e constituintes de Gales em 1999 e ao Parlamento Europeu dez anos mais tarde), como responsável da secção de Teologia de uma loja de livros usados, diferentes áreas ao longo de cinco dezenas de anos. Quando Patricia Daly conheceu Richard Booth, agraciado em 2004 com uma MBE (Membro da Ordem Mais Excelente do Império Britânico), este ainda vivia no castelo que adquirira na segunda metade do século passado — e agora na posse da Hay Castle Trust.

- Alguém, uma vez, me disse que quem trabalha com Richard durante um longo período não consegue trabalhar com mais ninguém. Ele é um verdadeiro excêntrico, um verdadeiro visionário, como nenhum outro. Quando era jovem, tinha uma energia contagiante e mantinha-se ocupado 18 horas por dia com trabalho. Tem um conhecimento fantástico de livros e do comércio.

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