Fugas - Viagens

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O meu reino por um livro

Temendo o falhanço inevitável como aldeia rural e antecipando o fracasso da agricultura, Richard Booth procurou criar, com a fundação de Hay como vila do livro, uma nova fonte de recursos para a comunidade local, associando cultura ao turismo.

Um castelo de livros

Charlotte Baston e Paul Owens param o carro no parque em frente a uma estação ferroviária e, face à ausência de comboios, àquela hora, decidem levar-me a Cardiff.

- A primeira vez que eu vi uma Honesty Bookshop, em Hay, não queria acreditar. Passei as muralhas e um pouco por todo o lado, ao ar livre mas cobertas com um amplo tecto de madeira como protecção para a chuva, prateleiras cheias de livros e um sinal pedindo para efectuar o pagamento numa pequena caixa. Nos dias de hoje, em que ninguém espera ou justifica confiança, senti-me confortada por ver que ainda há pessoas que acreditam na honestidade.

A Honesty Bookshop foi uma ideia criada e materializada por Richard Booth até dela se desfazer (venda) há uns anos, se bem que as prateleiras continuam a envolver o castelo que se projecta sobre a vila, situada no sopé de uma colina, e cuja lenda garante que foi erguido numa única noite, durante a qual a mulher do infame e pérfido lorde normando William de Braose, Maud de St. Valery, entre os mais íntimos Moll Wallbee, carregou todas as pedras necessárias no seu avental. 

- Hay é um lugar único, uma micronação que não é comparável a nenhuma outra. Aqui a vida corre devagar, as pessoas são amáveis e todos se conhecem uns aos outros, há um sentimento de país de fadas, talvez produzido pelo encanto da primeira contemplação, para quem vem de Clyro, desde o topo da colina. 

Pelo meio corre sereno o rio Wye, para norte estendem-se as colinas verdes de Radnorshire, para sul e oeste a magnificente cadeia montanhosa das Black Mountains, para este o Golden Valley, o vale dourado e as quintas e terrenos cultivados do condado de Hereford. 

A primeira referência documentada a Hay, em inícios do século XIII, está umbilicalmente ligada à história do seu castelo tantas vezes usurpado, destruído e construído, tão disputado por galeses patriotas, lordes ingleses e monarquias reinantes (e nem sequer foi poupado quando, já propriedade de Richard Booth, foi afectado por um incêndio). 

Errar por Hay é como navegar numa onda serena, sob a sombra que se espalma nas ruas do elegante casario que se recorta contra o céu azul. As muralhas, das quais restam apenas vestígios, foram levantadas na primeira metade do século XIII; aqui e acolá, casas do século XVI e XVII, testemunhas de um certo esplendor que se foi perdendo, mais adiante as colunas em pedra do Mercado da Manteiga, a torre do relógio, uma e outra construção do século XIX (e todas as quintas-feiras o mercado abraça as duas e estende-se até à Memorial Square).

De 1500 a meio milhão

A cidade já se anuncia, cintilando ao sol, pouco mais de duas horas haviam passado desde que esticara o polegar imbuído do desejo de partir. Charlotte Baston tem o prazer da conversa.

- Não frequento o festival. Hay, mesmo com turistas, é uma vila tranquila. Mas grandes multidões não são para mim.

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