Fugas - Viagens

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O meu reino por um livro

Criado em 1987, após uma conversa à volta de uma mesa de cozinha, o Festival Literário de Hay é um acontecimento que atrai, em finais de Maio, escritores e agentes, apaixonados pela literatura e simples curiosos, um total de meio milhão de visitantes, muitos se comparados com as 1500 almas permanentes e as 30 lojas de livros usados (uma para cada cinquenta habitantes). Uma vez ou outra, neste ou naquele ano, Zadie Smith, John Updike, Julian Barnes e Doris Lessing, tantos de uma lista interminável, já se movimentaram entre o formigueiro humano em que se transforma Hay durante dez dias.

Ian Dury, num dos seus derradeiros concertos, cantou From the gardens of Bombay, all the way to lovely Hay, alterando a letra de Hit me with your rhythm stick, e Bill Clinton, o primeiro presidente norte-americano — logo seguido de Jimmy Carter, que já há muito se retirara — a passar por Hay, apelidou o festival de “Woodstock da Mente”.

- Richard, como um rei com um castelo, proporcionou toda a publicidade internacional que tornou Hay famosa. Mas agora ninguém percebe que foi o mediatismo e não os vendedores de livros, bons ou apenas esforçados, que tornaram a vila célebre. Os jornalistas não viajam pelo mundo para filmar uma loja de livros, por muito boa que ela seja. Mas percorrem milhares de quilómetros para entrevistar um excêntrico que se autoproclamou rei e nomeou o seu cavalo (Caligula) primeiro-ministro. É uma loucura, é verdade, mas é uma loucura saudável que atraiu as pessoas e lhes forneceu uma razão adicional para visitar um lugar com milhões de livros (estima-se que sejam quase três milhões) e situado numa das regiões mais belas do país.

O cheiro dos livros entranha-se, agradável, são aos milhares entre as testemunhas de Patricia Daly na manhã que se esgota.

- O festival encoraja a venda de livros novos, não em segunda mão. As pessoas acorrem mais impulsionadas pelo entusiasmo de ver de perto algumas celebridades do que movidas pelo interesse na literatura. O festival prolonga-se por dez dias mas as pessoas em Hay têm de sobreviver durante 365 ao longo do ano.

E dessa Hay não dá vontade de partir, pelo menos enquanto o sol a ilumina, em muitos dos 355 dias restantes, preenchidos com a sua quietude e os seus milhões de exemplares de livros tocados por milhares de dedos de homens e mulheres.

Cardiff ergue-se à minha frente, como o fim da viagem ou o final de um livro, um e outro iguais, estradas e páginas percorridas silenciosamente. Ao fundo da rua, Paul Owens e Charlotte Baston esticam os braços para fora das janelas do velhinho carro uma última vez.

Adivinho o que estará a fazer a esta hora Patricia Daly, envolta pelo odor dos livros usados nas prateleiras, em Hay.

- Ler é como respirar, uma parte vital da vida. 

 

Uma história com mais de 50 anos

O conceito de book town, criado em 1961, por Richard Booth, em Hay, atribui-se a uma vila (ou, em alguns casos, a uma aldeia) com um elevado número de livros usados e comercializados em antiquários que atraem cada vez mais turistas bibliófilos. Actualmente, as vilas de livros espalham-se um pouco por todo o mundo, desde Mundal, em Fjarland, na Noruega, com os seus quatro quilómetros de livros usados, a Redu, na Bélgica, com apenas 450 habitantes, passando por Urueña, em Espanha, não muito distante de Valladolid, ou lugares com nomes mais exóticos e também devotados à literatura usada, como Kampung Buku Langkwai, na Malásia, ou Paju, na Coreia do Sul.

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