Plateau de cinema
E porque queremos o eco mais profundo do passado, vamos subverter tudo, e imaginar que chegamos a Cáceres à noite e não durante uma tarde de Primavera. Buscamos o centro histórico escutando as indicações no sibilar doce extremeño, comendo letras às palavras, “sempe p’ alante”. Quando nos vemos entre a cidade de pedra, iluminada por clarões contidos de amarelo de outros tempos, os passos a ecoarem nas ruas quase desertas, parece que tudo está preparado para que passem as carruagens e os cavalos, para que damas e caballeros surjam passeando calmamente com o seu séquito de criados.
É fácil ver um filme, vários filmes, passarem diante dos nossos olhos – e na verdade, alguns passaram por aqui, como 1492, ou, mais recentemente, a série televisiva Isabel, sobre a monarca da unificação de Espanha e da conquista da América. Há algo de feérico no jogo de luzes e sombras que desenha as ruelas ladeadas por palácios e mansões à laia de minifortalezas, como se de obras pontilhistas se tratassem, algo que torna quase surreais as praças pétreas que surgem do nada em qualquer esquina para por vezes se sucederem quase sem limites claros. E nada melhor do que deixarmo-nos engolir pelo labirinto que sobe e desce em todas as direcções, em jogo incessante, guiando-nos por nada mais do que os nossos caprichos, sem temer o sortilégio que nos envolve.
É à noite, então, que o casco viejo de Cáceres mais parece saído de uma máquina do tempo, uma ilha encantada pousada nas planuras da Alta Extremadura, algures entre o Tejo e o Guadiana. Mas, na verdade, tivemos que esperar que ela chegasse porque chegámos durante a tarde a uma Espanha orgulhosamente tradicional, o que equivale a dizer, em período de siesta.
Passamos o Paseo de Canovas com as suas abóbadas de árvores, deixamos o Gran Teatro para trás e entramos em território pedonal. O comércio está quase todo encerrado nas ruas de San Pedro e dos Pintores, e a Plaza de San Juan, ao sol, tem as esplanadas quase vazias. O contrário da Plaza Mayor: aí, as esplanadas estão cheias, entre locais e turistas a almoçarem com vista para as muralhas almoádas que encerram um dos lados da praça, ampla, luminosa e algo irregular.
Esta é a ante-sala perfeita para a cidade antiga, um intervalo em que não estamos na Idade Média mas tão-pouco estamos totalmente no século XXI. Os edifícios brancos assentam numa série de galerias suportadas por arcos perfeitos onde restaurantes, cafés, gastropubs se alinham na típica armadilha turística – e por que não cair nela se oferece tal visão?
Conquistas e exílios
Depois da visão, a invasão. À sombra da tutelar Torre de Bujaco (construída no século XII sobre uma fortaleza romana) que se ergue sobre uma eremita e oferece uma visão panorâmica da cidade (não é a única, neste núcleo histórico povoado de torres), subimos a longa escadaria que nos deixa na antiga Porta Nova, actual Arco de la Estrella, ampliação barroca a definir-lhe o nome. Este é o principal acesso ao interior das muralhas – daqui até à Plaza de Santa Maria, centro religioso, com a concatedral e o palácio episcopal, que na Idade Média desempenhou o papel de plaza mayor, é o espaço de uma curta ruela marginada pela pedra que constrói as fachadas imponentes e severas dos palácios, em granito e alvenaria, rasgadas por portas imensas de madeira coroadas por brasões.